Artista morto em SP fez quadro sobre alagamento e tinha portão antienchente recém-instalado

O artista plástico paulistano Rodolpho Tamanini Netto, de 73 anos, que morreu após ter a casa invadida por uma enxurrada, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, convivia com os problemas de inundações na rua onde morava, a Belmiro Braga - bem próxima ao Beco do Batman.

Segundo Jacques Ardies, amigo de Tamanini e dono da galeria que representava o pintor, a Galeria Jacques Ardies, o artista sempre morou no mesmo endereço e sofria frequentemente com problemas de enchentes e inundações em períodos das chuvas.

"A gente sempre ligava para ele para saber se estava tudo bem, se tinha perdido ou danificado alguma coisa", diz Ardies, ao Estadão. "Ele morava em um sobrado, na parte de cima, então não costumava ser afetado", acrescenta o colega.

Ardies explica que Tamanini sempre morou na mesma casa, que passou a ser dele depois da morte dos pais. Ele não era casado e também não teve filhos.

Por conta das enchentes, comuns na região, segundo Ardies, o pintor instalou um portão de aço para conter alagamentos e em casa. "Os vizinhos me contaram que ele foi checar algo no portão que tinha sido instalado. Foi quando bateu o carro e a água entrou na casa dele. Se ele tivesse ficado na parte de dentro, isso não teria acontecido", lamentou o amigo.

Informações da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-SP) indicam que um veículo, arrastado pelas correntezas da tempestade, se chocou e danificou o portão da casa de Tamanini. Isso teria facilitado a entrada de água na residência do artista. O caso foi registrado como morte suspeita no 14° DP (Pinheiros).

Rodolpho Tamanini Netto nasceu em 1951 e, desde os 17 anos, teve uma vida dedicada exclusivamente às artes. Era conhecido como um artista urbano, por conta de suas representações das cidades, principalmente de São Paulo.

Ele morreu na véspera do aniversário da capital paulista, que fez 471 nesse sábado, 25. Tamanini usava os principais endereços paulistanos para pintar os seus quadros.

N galeria de Rodolpho Tamanini Netto há quadros do Aeroporto de Congonhas, da Estação da Luz, do Vale do Anhangabaú, do Museu do Ipiranga e do Parque do Ibirapuera. Um nascer do sol visto do Pico do Jaraguá, o ponto mais alto paulistano, na zona norte, também foi tema de suas pinturas.

Mas questões que o atingiam diretamente também eram temas para seus quadros. Um exemplo são as próprias consequências das chuvas, que foi retratada em um quadro de 2008, chamado A Enchente. Na tela, Rodolpho Tamanini mostra a água ganhando espaço na cidade e avançando sobre veículos e pessoas.

"O Rodolpho tinha uma conexão muito forte com a cidade, era bastante engajado e informado sobre os problemas de São Paulo. E pintava muito a realidade que vivia também", diz Jacques Ardies.

Legado como artista urbano

Tamanini era visto como observador e extremamente criativo, com uma estética de pintura inconfundível. "Só de bater o olho no quadro, já sabíamos que era assinado por ele", disse Ardies.

"Ele vai ser sempre lembrado como um artista urbano, e terá um legado sensacional", acrescenta Ardies.

Também tinha uma predileção por temas associados ao mar, vida litorânea, elementos da natureza e até mesmo a periferia das cidades. "Gostava de representar a favela de uma forma alegre, com as pessoas sorrindo", lembra Ardies.

O pintor realizou mais de 30 exposições individuais e dezenas de exposições coletivas, muitas delas no exterior, em países como França, Estados Unidos, Suíça, Alemanha e Holanda.

No Brasil, também levou seus trabalhos para diferentes regiões, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná e Brasília, no Distrito Federal. Em reconhecimento pelo seu talento, Tamanini recebeu prêmios ao longo da sua trajetória.

Entre as honrarias, destacam-se as medalhas de ouro conquistadas no I Salão Nacional de Arte Popular de Embu, em 1978 e no XXI Salão de Arte de São Bernardo do Campo, em 1979. Recebeu ainda a medalha de bronze no XVIII Salão de Arte de São Bernardo do Campo, em 1975, e no I Salão de Artes Plásticas de Bauru, em 1982.

"Teve uma carreira de sucesso, com prestígio. Pessoas colecionavam seus quadros", resume Ardies.