Coronel acusado da morte do lobista dos tribunais quer Moraes fora do inquérito do 8/1
Um ano após ser preso sob suspeita de envolvimento no assassinato do advogado Roberto Zampieri - apontado como lobista dos tribunais - o coronel reformado do Exército Etevaldo Caçadini de Vargas se vê acuado em uma outra ação, na qual é acusado de ligação com os atos golpistas do 8 de Janeiro. Ex-subsecretário de Integração de Segurança Pública de Minas (2019), Caçadini recorreu ao Superior Tribunal Militar em uma tentativa de se livrar de possível julgamento no Supremo Tribunal Federal por incitar a "animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes Constitucionais". No STF, o relator dos autos do 8 de Janeiro é o ministro Alexandre de Moraes.
Caçadini nega os crimes. Em um deles ele é apontado como intermediário na contratação de um pistoleiro para matar Zampieri em dezembro de 2023 em Cuiabá. O mandante teria sido um fazendeiro. O arquivo de conversas por WhatsApp no celular do advogado levou a outra pista, a de um suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso - a investigação mostra que os contatos e acertos de Zampieri se espraiaram até o Tribunal de Mato Grosso do Sul e chegaram a gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça.
O outro crime atribuído ao coronel é de incitar a "animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes Constitucionais", no caso, um golpe. Seus advogados buscam reverter no Superior Tribunal Militar uma decisão de primeira instância da Justiça Militar que remeteu ao Supremo a ação penal aberta em maio do ano passado contra ele.
Nessa ação ele é formalmente acusado de "incitar a desobediência e a indisciplina militar, ao propalar fatos capazes de ofender a dignidade das Forças Armadas e ao imputar ao comandante do Exército fato ofensivo à sua reputação". A Procuradoria militar imputa a ele os crimes de incitamento, ofensa às Forças Armadas e difamação - todos os delitos previstos no Código Penal Militar.
O caso foi remetido ao STF após a Justiça Militar entender que as condutas imputadas a Caçadini "teriam sido praticadas no contexto" dos atos golpistas do 8 de Janeiro, quando extremistas invadiram e depredaram a sede dos Três Poderes em Brasília.
A decisão de subir o caso ao Supremo atendeu um pedido do Ministério Público Militar, que argumentou que as condutas do coronel reformado "teriam sido praticadas no contexto dos fatos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, após o pleito eleitoral de 2022, indicando conotação político-ideológica".
A Procuradoria defendeu inclusive que o militar seja processado não por incitamento, mas por incitação ao crime (delito previsto no Código Penal), vez que se visava "objetivava promover, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes Constitucionais".
Os advogados de Caçadini pedem ao STM que reverta a decisão e que o coronel seja julgado pela Justiça Militar e não pelo STF. A defesa alegou que os vídeos questionados pelo MP foram publicados da metade de janeiro de 223 para frente, ou seja, após o dia 8 de janeiro - " não podendo ser uma das inúmeras causas, portanto, dos lamentáveis acontecimentos de Brasília".
O recurso de Caçadini foi remetido à Corte superior militar em dezembro. O Estadão apurou que a tendência é que a ação penal contra o coronel seja mantida sob a alçada do Supremo.
Tanto o STF como o STM têm precedentes nesse sentido. Em 2023, o Supremo fixou sua competência para processar e julgar crimes que culminaram no 8 de Janeiro, independente de os investigados serem civis ou militares, das Forças Armadas ou dos Estados.
A jurisprudência foi invocada, por exemplo, na decisão que mandou para o STF a investigação sobre coronéis supostamente responsáveis pela Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro. O documento visava pressionar o general Freire Gomes, então comandante do Exército, a aderir a um golpe de Estado que teria sido gestado no governo Jair Bolsonaro.
Essa ação penal em que Caçadini é réu tem como base publicações que ele fez em suas redes sociais em janeiro de 2023, tanto via grupos de WhatsApp como em páginas que administra no Youtube e Instagram, denominadas Frente Ampla Patriótica.
Segundo o Ministério Público Militar, os conteúdos "incitam a quebra da hierarquia e disciplina militar, além de ofenderem a dignidade das Forças Armadas".
Ao denunciar Caçadini, a Procuradoria Militar narrou que o coronel, "descontente com a atuação das Forças Armadas, particularmente do Exército Brasileiro, que teria "passado pano" para o que aconteceu no final de 2022, com a eleição do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou a sugerir que os manuais militares foram feitos para serem rasgados e que a hierarquia e a disciplina podem ser quebradas em determinadas situações, incitando, dessa forma, a desobediência e a indisciplina militar".
Em uma publicação, o militar escreveu: "Os Traidores da Pátria!!! Nós brasileiros e patriotas não podemos esquecer jamais de duas datas a partir de 2023: a virada do ano com a traição das FFAA e o Dia 8 Janeiro. Mas vamos voltar às ruas e dizer quem manda neste País: O POVO!!!?".
De acordo com a Procuradoria, em outro vídeo Caçadini "ofendeu a reputação" do atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, o acusando de "omissão e traição por colocar seus objetivos pessoais acima dos interesses da instituição, abandonando o patriotismo e a ética".
Caçadini se tornou réu na ação penal do 8 de JAneiro quando estava preso em razão da outra acusação, que lhe atribui ligação com o assassinato a tiros do advogado Roberto Zampieri, o lobista dos tribunais, em dezembro de 2023. A investigação é conduzida pela Polícia Federal com supervisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo.
Caçadini foi identificado pelo assassino confesso de Zampieri, o capelão Antônio Gomes da Silva, como o homem que lhe pagou um sinal de R$ 20 mil que havia sido combinado pela execução do advogado de Cuiabá.
Segundo o pistoleiro contou à Polícia, o coronel fez a intermediação entre ele, o instrutor de tiro que contratou o crime e o fazendeiro suspeito de ser o mandante.
No celular do coronel, a Polícia encontrou informações relacionadas ao assassinato de Zampieri: foto da certidão de óbito do advogado, foto do instrutor de tiro e uma imagem da caixa em que foi escondida a pistola 9 milímetros usada para o crime.
Também foram anexados aos autos outros arquivos resgatados no celular do coronel Caçadini, como imagens do capelão no hotel onde ficou hospedado antes do assasssinato e trechos do inquérito policial.