Lula evita ato público um ano após 1.º de Maio esvaziado para evitar novo constrangimento
Um ano após o ato esvaziado na comemoração do 1.º de Maio de 2024, em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai repetir o que fez no segundo mandato, em 2007 e 2008, e permanecer no Palácio da Alvorada. Auxiliares o aconselharam a não comparecer às manifestações promovidas pelas centrais sindicais para não se expor ao constrangimento de um eventual fiasco.
Nos bastidores, ministros admitiram ao Estadão que a esquerda não consegue mais mobilizar número suficiente de trabalhadores para encher um local público.
Agora, para desviar o foco do escândalo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e destacar uma agenda positiva no 1.º de Maio, Lula decidiu abraçar a proposta que prevê o fim da jornada de trabalho 6 por 1. Trata-se da principal bandeira das manifestações desta quinta-feira em homenagem ao Dia do Trabalhador.
No pronunciamento feito ontem, 30, em rede nacional de rádio e TV, o presidente anunciou que o governo entrará na discussão.
"Está na hora de o Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras", disse ele.
No dia anterior, Lula havia recebido das centrais sindicais, em Brasília, um documento com várias reivindicações, como a diminuição da jornada de trabalho sem redução salarial, o fim da escala 6x1, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a taxação dos super-ricos.
Muitos daqueles interlocutores que estiveram no Palácio do Planalto foram companheiros de Lula quando ele presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo.
Ao mesmo tempo em que os sindicalistas vão adotar o fim da escala 6x1 como grande pauta dos atos, o governo vem tentando apagar o incêndio causado pela descoberta de fraudes no INSS, que continua a carbonizar a imagem do presidente.
A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagaram na semana passada a Operação Sem Desconto, que identificou um esquema de deduções indevidas em benefícios de aposentados e pensionistas.
O valor estimado em cobranças irregulares soma R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, de acordo com a PF. Mas, se a data retroagir a 2016, esse valor sobe para quase R$ 8 bilhões referentes a descontos sem autorização. Nesta quarta-feira, a oposição protocolou o requerimento de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as irregularidades.
Ao não comparecer a nenhum ato de 1.º de Maio, Lula também escapa de uma saia-justa: ausenta-se de uma manifestação que é símbolo da luta trabalhista justamente em um momento de crescente pressão provocada por violações aos direitos dos aposentados.
Não sem motivo o presidente fez questão de dizer, no pronunciamento desta quarta-feira, que foi seu governo quem "desmontou um esquema criminoso de cobrança indevida contra aposentados e pensionistas, que vinha operando desde 2019". O ano faz alusão ao início da gestão de Jair Bolsonaro.
Mesmo assim, aliados de Lula defendem a demissão do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), após Alessandro Stefanutto, seu indicado à presidência do INSS, ter sido exonerado. Lula escolheu o procurador federal Gilberto Waller Junior para comandar o INSS e, como mostrou o Estadão, determinou uma intervenção no instituto, mas resiste a demitir Lupi.
Nas 11 vezes em que esteve à frente da Presidência durante o feriado de 1.º de Maio, data que marcou sua trajetória política como líder do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula compareceu a comemorações em sete oportunidades. Somente em 2007 e 2008, quando permaneceu em Brasília, e em 2009, ao participar da inauguração de um hospital no Rio, ele esteve ausente daqueles atos.
Em todos os anos de seu primeiro mandato (2003 a 2006), Lula preferiu recorrer às origens e frequentou a Missa do Trabalhador, em São Bernardo do Campo. No 1.º de Maio de 2003, meses após assumir o Palácio do Planalto, o presidente disse, na cerimônia celebrada pelo então cardeal de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, que a queda do dólar não seria um bom negócio para o governo, já que as exportações dependiam da estabilidade da moeda americana.
No ano seguinte, Lula ouviu críticas à política econômica de sua gestão numa missa celebrada pelo arcebispo de Santo André, Nelson Westrup. Na festa da Força Sindical, em São Paulo, a quilômetros dali, Leonel Brizola (PDT) chegou a afirmar que ninguém iria "evitar o grito pela renúncia" se Lula não mudasse de rumo. Brizola foi vice na chapa do petista na campanha de 1998.
Em 2005, Lula discursou na igreja matriz de São Bernardo como candidato reeleito, mesmo faltando mais de um ano para a disputa. Um ano e um escândalo do mensalão depois, ele voltou à missa e disse que caberia ao povo brasileiro julgá-lo pela crise política envolvendo integrantes do PT e do governo.
De volta ao poder, o petista demorou a participar das comemorações do 1.º de Maio, que em 2010 viraram um ato de campanha à pré-candidatura da então ministra Dilma Rousseff. Nem o presidente nem sua escolhida fizeram menção direta à empreitada. "Vocês sabem quem eu quero", discursou ele.
Após 13 anos fora da Presidência, Lula participou de um ato organizado pelas centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, em 2023, quatro meses depois da intentona golpista no País. Na ocasião, afirmou que todos aqueles que haviam tentado dar um golpe contra a democracia seriam presos. Foi uma referência aos envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro às sedes dos três Poderes, em Brasília.
O palco das comemorações do Dia do Trabalhador em São Paulo foi diferente no ano passado. Em clima de campanha para o pré-candidato do PSOL à Prefeitura, Guilherme Boulos, Lula subiu ao palanque montado no estacionamento do estádio do Corinthians, em Itaquera, e enfrentou duas situações constrangedoras.
A primeira delas foi ao fazer um pedido explícito de voto em Boulos - prática vedada pela Lei Eleitoral, que só permite esse tipo de manifestação após o início oficial da campanha; a outra, ao se deparar com um público mirrado à sua frente.
Lula passou uma descompostura pública no ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, responsável pela articulação com os movimentos sociais. Levantamento feito por pesquisadores da USP calculou que havia 1.635 pessoas no ato, um fiasco diante da multidão que o petista costumava reunir.
Em março, o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, candidato à presidência do PT com apoio de Lula, já havia declarado, durante encontro com correligionários, que o partido precisava "suar sangue" para pôr 10 mil pessoas nas ruas.
O comentário foi feito em tom de cobrança, após militantes e dirigentes do PT criticarem o número de participantes do protesto de Bolsonaro, realizado em Copacabana, no Rio. Naquele 16 de março, o apoio à anistia aos presos do 8 de Janeiro reuniu 18,3 mil bolsonaristas, de acordo com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).