Negociações políticas sobre impostos e programas sociais influenciam bem-estar

Modelo acompanha os Estados Unidos nas últimas décadas, sob desigualdade crescente de renda.

Como os embates políticos afetam os programas de transferência de renda? (Foto: Reprodução/Insper Conhecimento)

Regras orçamentárias procuram evitar que os políticos se excedam seja nos gastos governamentais, seja na taxação de segmentos da sociedade. Elas podem ser mais ou menos justas e eficientes conforme os itens do orçamento que mobilizam e o poder de barganha dos grupos que se envolvem na sua confecção e execução.

Nas democracias, as regras orçamentárias balizam a negociação anual do orçamento público, definindo rubricas que não podem ser de todo alteradas, parâmetros para mudar tributos e até limites de dispêndio, metas fiscais e endividamento. Desde a Grande Recessão de 2008, dispositivos que obrigam o governo a gastar com determinados programas ganham relevo.

 

Gráfico: número de países com regras orçamentarias, de 1985 a 2015

 

No Brasil e em outros países latino-americanos, o debate sobre as regras orçamentárias tem se concentrado nos seus custos macroeconômicos. Quando as receitas caem, devido à redução da atividade na economia, fica difícil ajustar o orçamento diante da fatia de despesas obrigatórias.

Um aspecto menos avaliado é que as regras orçamentárias se prestam a proteger grupos políticos de danos substanciais quando não estão no poder. Sem elas, os derrotados na eleição estariam sujeitos a taxação abusiva ou a ver suprimidos programas importantes, o que seria prejudicial para toda o país, acarretando oscilações abruptas de renda, consumo e bem-estar.

Quando essas regras orçamentárias são desenhadas e negociadas num ambiente de grupos heterogêneos — ricos e pobres, por exemplo —, o resultado do embate nem sempre levará ao melhor saldo em termos da distribuição equitativa dos recursos ou da eficiência do seu uso.

Esse modelo simplificado para tentar explicar a dinâmica da economia política levando em conta o grau de desigualdade foi desenvolvido pelos pesquisadores Marina Azzimonti, do Fed de Richmond, Laura Karpuska, do Insper, e Gabriel Mihalache, da Universidade de Ohio.

A simulação adota a estrutura elementar de uma sociedade com apenas dois partidos, um representando os mais ricos, e o outro, os mais pobres. Também pressupõe um código tributário, de um lado, e um acervo de gastos mandatórios com seguridade de renda dos mais pobres, do outro, que só podem ser modificados mediante acordo entre as duas agremiações.

 

Fatia de gastos com programas sociais relação ao gasto total nos Estados Unidos

Na ausência de mudança, por exemplo em razão de um impasse político, os gastos com cada rubrica continuam os mesmos do período anterior. O partido que hoje está no poder não tem certeza de se ali permanecerá no período seguinte. A situação tem a faculdade de propor reformas, e a oposição dispõe da prerrogativa de vetá-las.

Os ricos privilegiam a redução de impostos e dos gastos do governo. Preferem autorizar dispêndios com bens públicos — como administração da Justiça, segurança e defesa militar — a endossar transferências de recursos para os mais pobres. Aos pobres, por sua vez, interessa mais ampliar estes programas, que satisfazem o seu desejo de incrementar o seu consumo privado, e para tanto podem pleitear o aumento dos tributos.

Nesse quadro, uma situação de elevada desigualdade de renda aguça no partido representante dos pobres o pleito por redistribuição, via maior taxação e elevação das transferências sociais.

O fato de já haver garantido um nível de taxação e de gasto obrigatório com as ações de seguridade a despeito das negociações partidárias dá poder de barganha ao partido dos pobres, capaz de oferecer ao adversário um aumento nos gastos com bens públicos, a alocação preferida dos ricos, desde que acompanhado de elevação das transferências diretas de renda.

O prolongamento desse jogo no tempo, segundo a previsão do modelo, tende a aumentar a parcela do orçamento público reservada para transferências aos mais pobres, com a taxação acompanhando essa escalada. Prevê-se inclusive um exagero em relação ao nível ótimo desses dispêndios, em contrapartida a um encolhimento relativo dos gastos com bens públicos.

Marina, Laura e Gabriel comparam os resultados desse modelo com o de outros em que, por exemplo, não existe um código tributário ou a obrigação legal de gastar com transferências de renda. Concluem que nenhuma das hipóteses alternativas carreia o nível bem-estar material para os dois lados da disputa obtido no modelo com regras rígidas de taxação e gasto social.

Os pesquisadores então mostram que a trajetória da economia dos Estados Unidos desde a década de 1960 se harmoniza com o modelo. Nesse período, a renda americana cresceu em termos reais apenas para os trabalhadores mais ricos. A da metade de baixo estagnou-se.

A fatia do gasto total do governo dos Estados Unidos com programas sociais de transferência de renda se eleva quando o domínio político é do Partido Democrata, alinhado a plataformas de aumento do Estado e dos impostos. Já quando o Republicano ocupa o poder, com a diretriz contrária, a tendência é de estabilização da despesa com esses programas sociais.