Retorno do voto de qualidade no Carf preocupa mercado e especialistas

Texto aprovado na Câmara dos Deputados pode aumentar número de decisões desfavoráveis a contribuintes em julgamentos no Carf.

Para o boletim informativo (45)Advogados analisam o Projeto de Lei que restabelece o voto de qualidade em decisões tributárias do Carf. (Foto: Divulgação)

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei que restabelece o voto de qualidade em decisões tributárias do Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf). O texto, que agora tramita no Senado, estabelece que, em casos de empate em julgamentos do Conselho, o voto decisivo será decidido por conselheiros representantes da Fazenda Nacional e pode ser favorável à União, e não mais aos contribuintes, como acontecia desde 2020.

A proposta foi apresentada em caráter de urgência constitucional pelo Poder Executivo, com o objetivo de aumentar a arrecadação e equalizar as contas públicas, especialmente dentro do contexto do novo arcabouço fiscal. No entanto, o entendimento favorável é alvo de críticas e tem gerado apreensão no mercado.

Em janeiro deste ano, o voto de qualidade retornara em julgamentos no Carf a partir da publicação da Medida Provisória 1.160/2023 e, após caducar no início de junho, o governo encaminhou o Projeto de Lei n.º 2384/2023 à Câmara, com igual propósito: reestabelecer o voto de qualidade como critério único de desempate na entidade.

Justificativa Arrecadatória 

Nesse sentido, há intensas discussões relacionadas não apenas ao retorno do voto de qualidade, mas à própria concepção do Carf, devido à justificativa utilizada pela União.

Frederico de Mello e Faro da Cunha2Frederico de Mello e Faro da Cunha, sócio do De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados. (Foto: Divulgação)

Frederico de Mello e Faro da Cunha, sócio do De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados, comenta que o Carf passou a ser tratado como um braço operacional e arrecadador do Estado, perdendo a essência de um órgão técnico. “Com o retorno do voto de qualidade nas grandes discussões, o Carf perderá a sua relevância, passando a apenas ‘validar’ as autuações fiscais”, afirma.

Sergio Grama LimaSérgio Grama Lima, sócio da área tributária do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. (Foto: Divulgação)

Segundo Sérgio Grama Lima, sócio da área tributária do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados, o retorno do voto de qualidade não deveria ser visto como um mecanismo de aumento do orçamento do Governo Federal e avalia como “indevida” a função arrecadatória proposta.

“O processo tributário, seja ele administrativo ou judicial, precisa focar na melhor resolução dos conflitos fiscais, atrelado ao melhor ambiente de negócios e ao crescimento econômico. Achar que o voto de qualidade resolve o problema de caixa do Governo é equivocado, pois apenas aumentará a litigiosidade no Poder Judiciário e não garantirá, em absolutamente nada, o aumento da arrecadação”, explica o advogado, pontuando, também, que “o Congresso deveria concentrar os melhores esforços para a aprovação de uma efetiva reforma tributária”.

Cenário de insegurança para as grandes empresas 

Gabriel Placha2 jpgGabriel Placha, advogado tributarista e sócio coordenador do Araúz Advogados. (Foto: Divulgação)

Sendo o Carf a última instância de julgamento de questões tributárias na Administração Federal, o voto de qualidade representa um recurso decisório importante. Gabriel Placha, advogado tributarista e sócio coordenador do Araúz Advogados, explica que, em casos de empate em julgamentos, é o voto de qualidade quem atribui peso duplo ao voto do Presidente das turmas julgadoras do Carf, cujo cargo é ocupado sempre por um representante da Fazenda. Porém, Placha destaca que o retorno é uma vitória do governo e, consequentemente, razão de insegurança para as empresas. “É uma vantagem para a União e uma desvantagem para o contribuinte”.

Daniel_2Daniel Zugman, sócio do escritório BVZ Advogados. (Foto: Divulgação)

De acordo com Daniel Zugman, sócio do escritório BVZ Advogados, a discussão constrói um cenário de fragilidade, que pode aumentar complicações em julgamentos e as despesas por parte das empresas para anular os acórdãos do Carf. “Há uma tendência de que certos temas tributários mais complexos sejam decididos de maneira desfavorável aos contribuintes na esfera Administrativa, o que poderá levar as discussões ao Judiciário. O aumento do contencioso tributário é uma consequência indesejada da medida aprovada, pois gera custos elevados tanto para a Administração Pública como para os contribuintes, sem contar os longos anos até o encerramento dos processos judiciais”, disse.

Nessa linha, o pensamento do advogado Frederico de Mello e Faro da Cunha é semelhante. Ele aponta que, caso o contribuinte deseje reverter a decisão, ele deverá acionar a máquina do Poder Judiciário, gerando a possibilidade de pagamento de honorários de sucumbência pela Fazenda Nacional. “A maioria dos casos de grande valor, normalmente nos quais se encontram os grandes contribuintes, são decididos pelo voto de qualidade. Essas empresas terão mais gastos — dinheiro e tempo — para anular os acordos do Carf”, afirma.

Artur Muxfeldt2Artur Muxfeldt, também do BVZ Advogados. (Foto: Divulgação)

Contudo, Artur Muxfeldt, também do BVZ Advogados, comenta que, apesar do quadro preocupante para as empresas, é esperado que os novos procedimentos no Carf sirvam de paradigma para outros tribunais administrativos de Estados e Municípios, que adotam protocolos semelhantes. “Ainda que possam existir pontos de aperfeiçoamento, o texto final aprovado pela Câmara dos Deputados tem aspectos positivos, em especial por buscar um meio termo entre os pleitos dos contribuintes e da União sobre o tema”, declara.

Novo projeto de lei e condições 

O projeto passou por diversas alterações e incorporação de itens a partir de um acordo entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério da Fazenda. Como o desempate é realizado por um representante da União, a OAB entende que são necessárias compensações ao contribuinte.

Das 60 emendas apresentadas, 13 foram acatadas pelo relator, o deputado Beto Pereira (PSDB-MS). De acordo com o texto aprovado, em casos decididos pelo voto de qualidade, em 90 dias do julgamento definitivo em favor do Fisco, o contribuinte terá a opção de pagar a dívida em até 12 parcelas, com a exclusão de multa e juros, e com a possibilidade de quitar o montante por meio da utilização de prejuízo fiscal, de base de cálculo negativa ou precatórios.

Além disso, o advogado Daniel Zugman esclarece: “Caso o contribuinte não concorde com o resultado do julgamento, o crédito tributário será inscrito em dívida ativa, mas sem os encargos legais de 20% e sem multa. Assim, será possível ingressar com medida judicial para discutir a cobrança, sem a apresentação de garantia, desde que comprove a sua regularidade fiscal e capacidade de pagamento. Em todos os cenários, o contribuinte ficará isento de responder por eventuais processos criminais”.

O texto também altera a redução do percentual de multas qualificadas aplicadas às pessoas físicas e jurídicas — cobradas quando há sonegação, fraude ou conluio por parte do contribuinte —, de 150% a 100%, exceto nos casos em que for verificada reincidência.

O tributarista Artur Muxfeldt finaliza explicando que o projeto aborda outros temas, como “a possibilidade de redução de multa de ofício, a vedação à liquidação antecipada de garantia e direito de ressarcimento dos custos incorridos pelo contribuinte em caso de decisão favorável, além da possibilidade de sustentação oral nos julgamentos de primeira instância na Receita Federal.”

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