Decisão do STJ sobre taxatividade do rol da ANS enfrenta resistência em instâncias inferiores

Para Paulo Furquim de Azevedo, professor do Insper, o acórdão proporciona segurança jurídica aos contratos de plano de saúde, o que demonstra assertividade do ponto de vista econômico.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no começo de junho, que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é taxativo, com algumas exceções. Os ministros definiram que, em situações excepcionais, os planos arquem com procedimentos não previstos na lista, a exemplo de tratamentos com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições reguladoras do setor. Afora essas excepcionalidades, as operadoras de saúde não têm obrigação de cobrir procedimentos além daqueles previstos no rol da ANS.

A decisão não vincula as decisões por parte dos magistrados de primeiro e segundo graus. O que se vê por parte dessas instâncias, por enquanto, é o movimento contrário, mantendo o entendimento anterior de que o rol da ANS deve ser considerado exemplificativo, ou seja, uma lista contendo somente procedimentos básicos de cobertura obrigatória.

Decisão recente do Tribunal de Justiça de Sergipe, posterior ao julgamento do STJ, obrigou uma operadora de plano de saúde a fornecer tratamento não previsto no rol para uma criança diagnosticada com autismo. “O documento elaborado pela ANS é norma de proteção ao consumidor com o qual se pretende resguardar o mínimo de cobertura aos usuários dos planos privados de assistência de saúde. Não se trata, portanto, de rol taxativo”, escreveu a desembargadora Iolanda Santos Guimarães. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem julgado que, em caso de expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura e de custeio de tratamento com o argumento de natureza experimental ou por não estar previsto no rol da ANS.

Ainda que a decisão do STJ não obrigue toda a Justiça, há consenso de que o tribunal aplicará o novo entendimento nas ações quando for chamado a decidir. “Os juízes de qualquer instância têm liberdade de decisão, mas é preciso lembrar que uma das funções do STJ é uniformizar a interpretação da lei federal. Isso significa que poderá reformar a decisão das instâncias inferiores, com base no entendimento de que o rol da ANS é taxativo”, disse Paulo Furquim de Azevedo, ex-conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e atualmente professor nos cursos de graduação, mestrado e doutorado do Insper.

 

Professor Paulo Furquim de Azevedo
Professor Paulo Furquim de Azevedo (Foto: Divulgação/Insper)

 

Em sua visão, a decisão do STJ foi uma das mais importantes dos últimos tempos porque vai reduzir a judicialização em casos que não deveriam nem mesmo chegar à Justiça. “O padrão típico de decisão judicial em demandas que solicitam tratamentos não contemplados no rol da ANS é baseado unicamente no pedido médico. Os órgãos técnicos, capazes de fazer uma avaliação de custo-eficácia dos tratamentos, são citados em menos de 1% das decisões, sendo estas favoráveis ao demandante em cerca de 90% dos casos. Assim, decisões tomadas individualmente subvertem a política de saúde, expressa no rol, que traduz uma decisão coletiva da sociedade”, afirmou. “O STJ definiu parâmetros para atuação dos juízes nesses casos. Ao fazer isso, o acórdão traz segurança jurídica para os contratos de plano de saúde, com implicações positivas para os preços e oferta de planos de saúde.”

Efeito econômico de segunda ordem

Furquim disse que é preciso olhar para o chamado “efeito econômico de segunda ordem”, considerando não apenas os efeitos diretos de uma decisão. Embora determinada decisão possa parecer positiva para os consumidores, como seria o caso se fosse mantido o rol exemplificativo da ANS, a realidade não é essa, conforme demonstram os efeitos econômicos de segunda ordem.

“Uma pessoa que aciona o Judiciário para conseguir tratamento muito caro não previsto no rol da ANS, em substituição a uma alternativa terapêutica de melhor relação de custo-eficácia, prejudicará todos os consumidores do plano de saúde. Isso porque, no ano seguinte, o preço dos planos será reajustado de acordo com os sinistros registrados, e a judicialização tem enorme peso nessa conta. Esse é o efeito econômico de segunda ordem: todos os consumidores vão arcar com o reajuste maior impactado pela judicialização, que tem como característica beneficiar apenas alguns poucos”, exemplificou.

O próprio ministro do STJ Luis Felipe Salomão, em seu voto, apresentou conclusão semelhante ao defender que a taxatividade do rol da ANS é fundamental para o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar. Isso porque garante proteção inclusive para os beneficiários, que poderiam ser prejudicados se os planos tivessem de arcar indiscriminadamente com ordens judiciais para a cobertura de procedimentos fora da lista da ANS. Ele observou ainda que, em nenhum outro país, há lista aberta de procedimentos em saúde de cobertura obrigatória.

 

Fonte: Insper Conhecimento