Desenvolver noção de pluralismo pode reverter 'desertos de notícias'

Em livro, jornalistas analisam causas e efeitos da inexistência de veículos em cidades pequenas.

(Foto: Pixabay)

Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.280 não têm qualquer veículo jornalístico local: nenhum jornal, revista, emissora de rádio ou TV, site, blog informativo. Eles são “desertos de notícias”.

Isso é resultado de diversos fatores econômicos, históricos, políticos, culturais que tornaram imensas áreas do país desprovidas de instrumentos que permitam a seus cidadãos se manter a par, de forma sistemática e independente, dos fatos que ocorrem em suas próprias comunidades.

Este é o tema de um capítulo de livro da série Companion da editora Routledge, que trata de mídia e jornalismo locais em diversos países e que tem como coautor o professor do Insper Carlos Eduardo Lins da Silva, ao lado da jornalista Angela Pimenta.

A série “Routledge Companion” reúne contribuições-chave em áreas específicas do saber com a perspectiva de analisar tendências atuais por meio de uma visão internacional, como diz a editora, fundada em 1836 na Grã-Bretanha.

Os dois autores do texto sobre o Brasil foram presidentes do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), entidade fundada por Alberto Dines, um dos principais jornalistas brasileiros do século passado.

No Projor, Lins da Silva e Pimenta lideraram outra idealização de Dines, o projeto Grande Pequena Imprensa (GPI). O artigo que eles escreveram para o Routledge Companion é em grande parte o resultado da pesquisa e da prática que ambos realizaram nesse período, na década de 2010.

O GPI partiu do pressuposto de que não pode haver democracia vigorosa sem um jornalismo independente, diversificado, identificado com as aspirações das pessoas em todos os segmentos e quadrantes do território nacional.

A concentração dos meios de comunicação em poucas regiões só pode ser atenuada e revertida quando na base da pirâmide for desenvolvida a noção de pluralismo. Nas sociedades com instituições consolidadas, a presença de uma imprensa local ativa e sustentável tem sido apontada como fundamental para a democracia.

Na maioria das cidades e estados brasileiros fora dos eixos mais ricos, os veículos de comunicação enfrentam historicamente dificuldades para sobreviver e não oferecem produtos com bom nível de qualidade.

Na parte inicial do artigo para o Companion, os autores se debruçam sobre as diferenças entre as sociedades dos Estados Unidos e do Brasil no que se refere a veículos jornalísticos de pequenas cidades.

A imprensa chegou à América do Norte junto com os primeiros europeus, que vieram para o novo continente com suas famílias para ali permanecerem. No caso brasileiro, os europeus vinham em geral sem suas famílias e por períodos curtos de tempo.

Só com a chegada da Família Real, em 1808, é que veículos jornalísticos começaram a circular no país. O aparecimento tardio do jornalismo no país se deu em especial nos grandes centros urbanos porque nas cidades menores não havia atividade econômica suficiente para bancá-la.

Os jornais locais foram aparecendo durante o século 20, em geral no ritmo do desenvolvimento econômico das regiões em que atuariam. No final daquele século e no início do atual muitos viveram fases de crescimento, mas nem sempre com melhoria de qualidade equivalente.

Mas a partir de 2014, com as graves dificuldades econômicas no Brasil e com a piora de crise estrutural do modelo de negócios do jornalismo, vários títulos passaram momentos de grande dificuldade e alguns tiveram de fechar.

O capítulo também trata de outro projeto do Projor, o Atlas da Notícia, que monitora a imprensa local brasileira e constata a existência de diversos “desertos de notícias” no Brasil.

O mais recente levantamento do Atlas, divulgado em fevereiro deste ano, mostra melhora na situação dos “desertos”. O número de municípios que os compõem caiu 5,9% em comparação com 2019, e o de cidadãos que vivem nessas áreas é 9,6% menor do que há dois anos. A diminuição ocorreu devido ao aumento de sites noticiosos nessas regiões.

O Companion de mídia e jornalismo locais foi organizado pelos professores David Baines, da Newcastle University, e Agnes Gulyas, da Canterbury Christ Church University, ambas no Reino Unido.

Além do Brasil e do Reino Unido, ele trata do assunto em países como EUA, Japão, Noruega, Austrália, Polônia, Índia, Rússia, China e outros.

“Routledge Companion to Local Media and Journalism” pode ser comprado em livrarias digitais.

 

Fonte: Insper Conhecimento