José Senna, FGV IBRE: 'Para o nível de Selic hoje, 25 pontos não fazem muita cócega'

Pesquisadores do FGV IBRE recomendam corte suave nos juros dos EUA E alta no Brasil.

1_jose_julio_senna_ex_diretor_do_banco_central_1679003686088_v2_900x506-30531831José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE. (Foto: Marcelo Freire/Divulgação)

A proximidade da reunião dos comitês de política monetária nos Estados Unidos e no Brasil deram o tom do debate no III Seminário de Análise Conjuntural, promovido dia 12/9 numa parceria do FGV IBRE com o jornal Estado de S. Paulo, moderado pelo jornalista Luiz Gerbelli, repórter do Estadão. Para os pesquisadores, a decisão ideal seria por um corte suave na taxa básica de juros nos Estados Unidos esta semana, posto que ainda se verifica uma demanda aquecida no país, e, no Brasil, um aumento de 0,5 pp, que não deixasse dúvidas quanto ao compromisso do BC em colocar a inflação na meta e reancorar as expectativas em meio à transição de quadros, que inclui a presidência do banco e três diretorias.

Armando Castelar, pesquisador associado do FGV IBRE, analisou o aumento da inflação americana em agosto, identificando ruídos no quadro geral de melhora na trajetória de preços. “Considerando a queda do preço dos combustíveis, que ajudou a amenizar o resultado de agosto, vemos que a inflação não está tão comportada como o índice cheio sugere”, afirmou. Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV IBRE, o principal sinal de alerta na economia americana vem da atividade. “Em julho, registrou-se expansão mensal de 3,8% no consumo das famílias, depois de altas de 2,9% e 2,1% nos meses anteriores”, ilustrou, indicando que pelo lado da oferta essa dinâmica se confirma. “As vendas finais para consumidores domésticos privados estão crescendo quase 3% ao ano a seis trimestres.”

Diante desse quadro, Senna e Castelar identificam exagero na precificação de mercado para cortes na taxa do Fed Funds, que chega a 1 pp este ano, e de mais de 2 pp nos próximos 12 meses.

“O mais adequado seriam cortes de 0,25 ponto”, afirmou Senna. Levando em consideração que este ano ainda restam três reuniões do comitê de política monetária americano, o Fomc, cortes nesse nível levariam a uma redução de 0,75 pp em 2024.

Senna lembra que a tendência recente do BC americano foi de manter condições financeiras mais frouxas, visando a um pouso suave da economia. Ele destaca que, diferentemente do que se observa na Europa e Reino Unido, em que o mandato principal do BC é cuidar da inflação, o FED obedece a um mandato dual que também leva em conta o mercado de trabalho, elevando a pressão contra políticas monetárias contracionistas, que gerem mais desemprego.

“Na Europa e Reino Unido, vemos que mesmo sem a demanda ter voltado aos níveis pré-pandemia, os BCs têm segurado os juros altos por mais tempo.” Diante dessa postura menos incisiva do FED, Senna lembra que ainda assim a inflação cedeu, alimentando debates na mídia local sobre como foi possível garantir essa trajetória mesmo com a atividade aquecida: seria Jerome Powell sortudo ou muito competente?

“Há algumas respostas para isso. Primeiramente, a inflação caiu porque as expectativas estavam no lugar, especialmente as de médio e longo prazo, pelo fato de que antes da pandemia a inflação ficou baixinha por muito tempo, em 1,5% a 1,6% ao ano em média”, afirmou Senna. “Também houve reversão dos choques de demanda e de oferta trazidos pela pandemia; a produtividade do trabalhador deu uma bela melhorada ao longo de 2023; e a política monetária do FED contribuiu favoravelmente para conter alguns segmentos como o setor da construção. Ainda assim, a atividade econômica ainda demonstra bom vigor”, diz Senna, reforçando que por isso é preciso agir com moderação nos cortes de juros.

O caso brasileiro, por sua vez, vai no caminho oposto: há melhora da inflação na margem, observada nos dados de agosto, mas o cenário de economia aquecida acontece com expectativas desancoradas e projeções acima da meta. “Vários membros do Copom consideram que o balanço de riscos é assimétrico, ou seja, as projeções oficiais podem estar subestimando o que de fato possa acontecer com a inflação adiante”, lembrou Senna. Para ele, na reunião de julho do Copom já existiam condições para um sinal mais forte de política monetária, mas considera que houve precaução dos diretores do BC quanto a possíveis interpretações de que um aumento naquele momento fosse tido como provocação ao governo federal.

“A estratégia dos diretores foi comprar tempo, considerando ainda que o FED podia ajudar em setembro, começando a reduzir juros via câmbio. Mas os efeitos do câmbio sobre a inflação em geral são de curto prazo, dois trimestres em média, enquanto todos estão olhando na projeção da inflação em horizonte relevante, que vai até março 2026”, ponderou.

Senna reconheceu que as declarações recentes dos dirigentes do BC têm sido em favor de levar a inflação para a meta e reancorar expectativas. “Com tantos sinais de austeridade, não tem escapatória agora”, disse, considerando inevitável uma alta da Selic. Para o ex-diretor do BC, o ideal seria um adicional de 50 pontos na reunião da próxima semana.

“Para o nível de Selic hoje, 25 pontos não fazem muita cócega”, afirmou, indicando, entretanto, que a sinalização do presidente do BC por um movimento mais gradual pode significar um aumento menor do que esse. “Pergunto em que medida presidentes e diretores que sairão daqui alguns meses já estejam pensando em não querer o protagonismo neste momento.”

O impulso da demanda

Castelar reconhece que o cenário externo não é de todo desfavorável, “apesar de que seria melhor se o dólar se enfraquecesse mais, e do fato de o mundo crescer mais lentamente afetar as commodities”, afirma, destacando a recente cotação do petróleo, que foi para menos de US$ 70 o barril, nível não se via desde dezembro de 2021.

“Para a gente é uma preocupação. Mas estamos com contas externas bem, apesar de na margem haver uma piora por conta do aumento das importações”, afirmou.

O ponto sensível no âmbito doméstico, destacaram Castelar e Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro FGV IBRE, continua sendo a preocupação por um crescimento sustentado pelo forte aumento do gasto público, seja com transferências que impulsionam o consumo das famílias, seja via consumo do governo. Castelar lembrou que os dois primeiros mandatos do presidente Lula tiveram características semelhantes a essa em termos de atividade, mas sob um cenário diferente.

“Em 2003-2010 o gasto público cresceu 6% em termos reais, e a Selic, 9%. Estamos indo para o mesmo cenário, mas com duas diferenças importantes. A primeira é que nos dois primeiros mandatos de Lula o dólar enfraqueceu enormemente – com o real batendo os US$ 1,55 na virada de 2010 –, o que atraiu capital externo e facilitou o controle inflação. Outro elemento é que, naquele momento, havia superávit primário perto de 3%”, descreveu. Agora, por sua vez, nem há superavit primário, nem a perspectiva de demanda chinesa por commodities é robusta a ponto de enfraquecer o dólar.

Silvia Matos também lembrou que uma série de reformas promovidas nos governos Lula 1 e Lula 2 contribuíram para o crescimento da produtividade da economia, motor para o PIB.

“A demografia ajudava, com a população em idade ativa crescendo mais do que o total, e havia muita ociosidade no mercado de trabalho“, citou, elementos que tampouco estão presentes hoje para colaborar para um aumento da capacidade de o país crescer sem gerar inflação – o chamado PIB potencial.

A coordenadora do Boletim Macro destacou que, nesse impulso do PIB puxado pela demanda doméstica, há também aspectos positivos.

“Quando olhamos para a composição, vemos a recuperação do investimento, que no primeiro semestre do ano cresceu acima do PIB, com 4,2% em comparação ao mesmo período de 2023”, afirmou. Ela recordou que no ano passado – quando a locomotiva do crescimento foi dada pelo setor agro e a indústria extrativa, ambos pouco sensíveis à política monetária – o investimento teve baixo desempenho.

“Em 2023, somente a queda na produção caminhões foi de quase 40% segundo a Anfavea”, ilustrou, lembrando ainda do efeito dos juros altos sobre a disposição de investir. “Já era esperada uma reação do investimento em 2024, especialmente ao se levar em conta o desempenho da indústria no ano passado, quando os sinais mais positivos vieram de segmentos ligados a commodities como alimentos e o refino de petróleo. Para este ano, vemos um crescimento da produção industrial mais espalhado, o que por sua vez tem colaborado para o aumento das importações, com a demanda de máquinas e equipamentos.

A parte boa da história, entretanto, para por aí. Matos alertou que, apesar das projeções para o PIB de 2024 se equipararem ao crescimento de 2023 (2,9%), preocupa que este esteja fortemente apoiado no consumo das famílias, “que vem crescendo sistematicamente acima do PIB desde a recuperação da pandemia”. “Quando anualizamos os últimos dados em termos trimestrais, dá uma expansão de 8%. É um ritmo completamente insustentável”, afirmou, relembrando que o PIB tem crescido sistematicamente acima do potencial. Ainda que haja dúvidas e divergências quanto ao PIB potencial, Matos afirmou que ele estaria mais próximo de 2% do que dos 3% que se espera para o PIB este ano. Um dos elementos que aponta a esse desequilíbrio, citou, são os dados de mercado de trabalho.

“As Sondagens do IBRE mostra que os setores que hoje estão contratando já reclamam pela falta de mão de obra (leia mais), e estamos vendo salários subindo bastante acima da produtividade. Isso já é reflexo de que não temos potencial de 2,5% a 3%”, disse, destacando que o final dessa história são mais juros e inflação mais pressionada. “Já fizemos isso no passado e sabemos onde ela acaba, levando a um juro de equilíbrio mais alto. Em economia, não há almoço grátis. Seria melhor um crescimento mais moderado, mais consistente com o potencial da economia.”

Ainda o fiscal

Castelar lembrou que, com a tendência de alta da Selic para segurar o crescimento da demanda, o déficit público também aumenta. “Fica mais caro financiar a dívida pública, e o setor público já tem déficit em 12 meses de mais de 10% do PIB. A dívida pública vem crescendo a 0,6% do PIB ao mês. Isso é explosivo”, afirmou, apontando que uma Selic mais alta só vai complicar esse cenário.

“As projeções indicam que a dívida pública chegará perto de 90% do PIB em final de 2026/27, a depender das premissas. A pergunta é quando isso vai bater nos preços de ativos e forçar uma resposta”, afirmou, apontando que o enfraquecimento recente do real frente ao dólar, em um momento que o dólar perdeu fôlego internacionalmente, já é um sinal disso. Ele ainda ressaltou que, com o nível considerável de gastos atrelados ao comportamento da receita e do PIB, será difícil conter a dinâmica fiscal.

Os pesquisadores do FGV IBRE também apontaram preocupação com o desempenho da economia chinesa (leia mais aqui), em especial do impacto que um eventual aumento de medidas protecionistas conta produtos chineses pode ter na estratégia de crescimento do país. Esse risco está presente com todos os parceiros comerciais chineses, mas em especial com os Estados Unidos. Tal como destacado na Conjuntura Econômica de agosto (leia aqui), as promessas de Donald Trump em aumentar fortemente as tarifas de importação para os produtos chineses – e também para importações de outros países, em menor grau – teriam impacto inflacionário não desprezível, o que coloca em dúvidas a factibilidade de serem cumpridas.

“Talvez se chegue a um arranjo para atrair a produção chinesa para dentro do país, gerando a atividade e os empregos desejados”, afirmou Castelar. Também foi preocupação dos pesquisadores a trajetória da dívida pública americana, sobre a qual eles consideram o futuro preocupante, independentemente de quem ocupe a presidência do Estados Unidos a partir de 2025, Trump ou a democrata Kamala Harris.