Justiça fiscal não costuma ser motivadora de mudanças no Imposto de Renda

Estudo que analisa quase um século do IR levanta as principais justificativas das propostas de mudanças. Segundo Nikolas Schiozer, a redução da desigualdade é um fator secundário.

towfiqu-barbhuiya-JhevWHCbVyw-unsplashPesquisa analisa mudanças do Imposto de Renda da Pessoa Física ao longo da história brasileira. (Foto: Unsplash)

Em seu estudo, Nikolas Schiozer, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE), da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, aborda as mudanças do Imposto de Renda da Pessoa Física ao longo da história brasileira. O objetivo foi analisar as razões que motivaram essas alterações, segundo o discurso oficial, com foco específico em entender qual o espaço que a motivação de justiça fiscal, ou seja, a diminuição da desigualdade social, teve nas justificativas.

Foram 111 propostas legislativas que propuseram mudanças entre 1922, quando começou o tributo, e 2021. As razões para as mudanças no Imposto de Renda são diversas e cumprem diferentes propósitos.

“Podemos decidir elevar mais a carga tributária sobre cigarros, por exemplo, para desestimular o consumo desse tipo de bem. Ou podemos criar certos impostos para endereçar certos problemas econômicos ou sociais, como no caso a desigualdade de renda”, explica o pesquisador.

A pesquisa delimitou seis grandes grupos de justificativas, sendo elas arrecadação, anticíclica (combate de crise), inflação, crescimento econômico (benefício ou desestímulo a uma atividade econômica), simplificação e justiça fiscal. A mais comum foi o motivo do crescimento econômico, aparecendo 28% das vezes. Mudanças que mencionavam o interesse de redução das desigualdades foram apenas o quarto mais mencionado, aparecendo em 15% das propostas.

O papel da justiça fiscal

O trabalho acaba revelando que a intenção de reduzir a desigualdade não foi uma justificativa central na história. A maioria das alterações na base da progressividade da alíquota, o que faz maiores rendas pagarem mais imposto percentual do que as baixas, aconteceu, na verdade, por outro motivo.

“A gente observa que as medidas que mais aumentaram a progressividade do sistema tendem a ser aquelas que ocorreram em períodos de crise, porque são nesses períodos em que o governo busca aumentar a base de arrecadação”, comenta Schiozer.

O período em que a progressividade do imposto foi motivada pela justiça social aconteceu na ditadura militar. A hipótese do economista foi de que, em razão da pressão pelo aumento da desigualdade, o governo buscou responder às críticas através de mudanças no Imposto de Renda.

Recentemente, no entanto, esse assunto tem sido deixado de lado. O pesquisador afirma que “desde a redemocratização a gente praticamente não observou políticas que buscaram mudar o Imposto de Renda para aumentar a progressividade do sistema”.

Schiozer comenta por fim que nós chegamos a um nível de maturidade para propor novas mudanças com vista nessas razões. Ele comenta que “o sistema de hoje é muito baseado no que foi criado a partir de 1995. Desde então, o sistema mudou muito com o fim da inflação, mas de lá para cá pouca coisa mudou [no Imposto de Renda], então temos hoje o sistema bem regressivo”.