Adriano Abdo: 'Olhar para a realidade dos refugiados e migrantes não é mais opcional'

Falta de políticas de integração e de acolhimento motivou Adriano Abdo a criar instituto com foco em educação.

Equipe_cred. Ivan ShupikovTime do Educação Sem Fronteiras. (Foto: Ivan Shupikov/Divulgação)

Quando embarcou para uma viagem de férias para Nova Iorque, em 2016, o empreendedor social Adriano Abdo não imaginava que sua vida estava prestes a mudar de rumo. Foi na cidade que ele conheceu um maître sírio que lhe fez um pedido de socorro: ajudar seu sobrinho que se encontrava refugiado no Brasil, vivendo em situação análoga à escravidão. Tocado pela história, ele voltou ao Brasil decidido a prestar esse apoio. Mohamed, que vivia em Guarulhos, recebeu todo o auxílio que precisava até que, em 2018, conseguiu a documentação e pôde voltar aos EUA para reencontrar sua família.

A proximidade com a dura realidade de um refugiado no Brasil reacendeu em Adriano Abdo, que até então atuava como advogado, um tema ao qual sempre teve muita empatia e conexão. Seu avô – de nacionalidade austríaca - chegou ao Brasil como refugiado de guerra. “Cresci ouvindo as histórias e relatos dessa época.”

O que começou com uma ação de solidariedade se transformou, quatro anos depois, em um projeto muito maior, capaz de ajudar milhares de pessoas na mesma situação de Mohamed. Surgia, então, no ano de 2020, o Educação Sem Fronteiras, o primeiro instituto de educação na América Latina para migrantes e refugiados.

“Hoje, temos mais de 100 milhões de deslocados forçados em todo o mundo, ou seja, 1 a cada 78 pessoas, o que representa 1% de toda a população mundial. A grande maioria vive em situação de vulnerabilidade. O Educação Sem Fronteiras surgiu como resposta a essa realidade.” Na entrevista a seguir, o Adriano Abdo fala sobre a urgência do envolvimento de todos os setores da sociedade - governo, empresas e cidadãos - no acolhimento de para migrantes e refugiados que chegam ao Brasil.

Adriano1_cred. Ivan Shupikov.jpg Empreendedor social Adriano Abdo. (Foto: Ivan Shupikov/Divulgação)

REVISTA LIDE: Por que a discussão sobre as questões de integração de migrantes na sociedade brasileira é urgente?

ADRIANO ABDO: O deslocamento forçado em razão de guerras e perseguições de gênero é uma questão atual e global. A falta de acolhimento e de políticas de integração para essa população impacta em múltiplas frentes, como economia, mercado de trabalho, desigualdade social, pobreza, xenofobia, violência, entre outros. Então, olhar para essa realidade não é opcional, ela está aí e precisamos fazer nossa parte como sociedade. Ao buscarmos soluções e integrarmos essa população, o país também será beneficiado com a redução da vulnerabilidade social, das desigualdades, além do aumento da arrecadação de consumo, já que os refugiados tornam-se contribuintes e consumidores.

Qual o papel do setor empresarial para mudar essa realidade?

A questão dos refugiados e migrantes ainda recebe pouca atenção por parte das empresas, mesmo com a pauta ESG ocupando cada vez mais espaço. E nós precisamos de toda a ajuda possível, que não precisa ser, necessariamente, financeira. Então, a empresa pode se engajar de diversas maneiras, como oferta de empregos, campanhas de conscientização de seu público interno e externo, e muitas outras.
Reitero o fato de que, historicamente, migrantes são bons trabalhadores e empreendedores criativos. Eles têm a motivação necessária, pois cada nova oportunidade significa a possibilidade de uma nova vida, de inserção cultural e econômica na sociedade. Ou seja, é possível estabelecer uma parceria que seja benéfica para todos os envolvidos.

A ESG e os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da ONU, já fazem parte da agenda empresarial. Por que a migração ainda é um tema periférico nessas discussões?

Os temas mais abraçados nas causas sociais são as questões de diversidade e de inclusão, em especial as questões de gênero. Mas pensar na causa dos migrantes e refugiados também é pensar em diversidade e inclusão. Por isso, precisamos chamar atenção para essa discussão, para que possamos, juntos, construir uma nova realidade para as famílias que chegam ao Brasil. Cada parceria é importante. Ao se juntar a uma causa como a nossa, a empresa puxa a fila através do exemplo. É isso que buscamos. Sabemos que a causa dos refugiados toca os empresários como cidadãos, mas precisamos da ajuda também das empresas. Nesse sentido, o ESG é muito mais que uma agenda, é uma ferramenta de proteção que abre uma janela de oportunidades para as empresas que compartilham das mesmas responsabilidades.

Na esteira dessas discussões, a agenda dos ODS também passa a fazer parte do mundo corporativo. As ações humanitárias e o auxílio aos refugiados se relacionam diretamente a alguns dos mais importantes ODS, como a erradicação da pobreza, a igualdade de gênero e a redução das desigualdades. É preciso ter esse olhar sobre as questões migratórias. As dificuldades enfrentadas pelos refugiados em nosso país precisa subir na escala de prioridade de ação das empresas, deixando de ser algo periférico para ocupar lugar central.

Como o Educação Sem Fronteiras transforma a vida dessa população que é extremamente vulnerável?

Em dois anos, já impactamos mais de 1400 refugiados e migrantes de mais de 40 nacionalidades. A educação é uma força transformadora para os envolvidos diretamente, para seu entorno e para as futuras gerações. É só pela educação que conseguimos quebrar o ciclo de pobreza e possibilitar a real integração na sociedade.

Então, como resposta a essa necessidade, criamos alguns programas, como o Travessias, que é o nosso carro-chefe, um curso pré-vestibular para que migrantes e refugiados consigam ter acesso ao ensino superior público no Brasil. Vale a pena frisar que quando falamos sobre acesso à educação, isso engloba ingresso, permanência e conclusão. Porque não basta que o aluno entre no ensino superior, é preciso criar ferramentas para estimular a frequência e evitar a evasão. Então, cada aluno recebe um crédito educacional no valor de R$ 100 por mês, além de vale-transporte.

Também atuamos junto às universidades federais e estaduais buscando firmar convênios por meio de um termo de cooperação técnica. Nosso primeiro caso de sucesso é com a Unifesp, na qual já inserimos 30 alunos pelo Travessias. Agora, nosso objetivo é ampliar essa parceria para as demais universidades estaduais e federais do país.

O instituto também atua em outras frentes?

Somos um veículo educacional e somos ponte. De maneira geral, funciona assim: montamos uma trilha educacional para cada migrante, de acordo com seu perfil e com sua evolução, além de darmos apoio em diversas frentes e encaminharmos para a rede de apoio de outras áreas.

Também desenvolvemos programas emergenciais de ensino de língua portuguesa, de capacitação de professores na rede pública e, mais recentemente, passamos a oferecer, um curso para formação de cuidadores de idosos. E estamos sempre em transformação. O curso de cuidadores de idosos, por exemplo, surgiu ao identificarmos uma carência de profissionais nessa área e da projeção de envelhecimento da população brasileira até 2050, ou seja, atestamos que é uma demanda que só tende a crescer.

Recentemente, recebemos o apoio da ACNUR (Agência do Alto Comissariado das Nações Unidas) para viabilizar um programa de português emergencial junto às famílias afegãs que desembarcaram em São Paulo. O “Tirando de letra” atende as mais de 100 famílias que vieram do Afeganistão com visto humanitário e que vivem em abrigos da prefeitura de São Paulo. Também seremos responsáveis por um programa de treinamento de professores da rede pública para o acolhimento e ensino desses refugiados.

O LIDE também teve um papel importante na fundação do Educação Sem Fronteiras. Pode nos contar um pouco dessa história?

Eu faço parte do grupo há muito tempo. Em uma viagem com o LIDE para China, em 2019, tive a oportunidade de conviver com grandes empresários e empreendedores. Foi durante os encontros e conversas que a ideia de criar o instituto com foco em educação foi tomando corpo. E, inclusive o nome, Educação Sem Fronteiras, me ocorreu lá, de forma espontânea. Agora, no mês de novembro, volto a Nova Iorque com o grupo, ocasião que também irei me reencontrar com a família síria. Então, existe uma conexão muito grande.

(Conteúdo de Marca: Educação Sem Fronteiras)