Cidades-esponja e corredores verdes: o que há de mais atualizado na adaptação à crise climática

Adriana Sandre comenta a realidade vivida por quase 9 milhões de brasileiros e diz que é preciso procurar alternativas sustentáveis de projetos urbanos.

young-girl-with-bicycle-parkCrise climática pressiona autoridades a moldar as cidades a projetos sustentáveis. (Foto: Freepik)

Um levantamento da Casa Civil e do Ministério das Cidades, divulgado no início deste ano, aponta que mais de 1.900 municípios estão em zonas de risco quanto aos eventos extremos do clima. Além disso, quase 9 milhões de brasileiros vivem em áreas expostas a desastres. Além do caso atual de Porto Alegre, cidades como Maceió e Recife estão sob alerta constante em relação a riscos semelhantes aos que foram vividos pela capital gaúcha.

A crise climática alavancou uma série de fenômenos, tornando-os mais intensos e frequentes. A situação ligou um alerta global para autoridades mundo afora, que começam a repensar suas cidades para moldá-las em projetos sustentáveis. Corredores verdes compostos de árvores, cidades-esponja, utilização de painéis solares, entre outras medidas. Diversas têm sido as formas encontradas para mitigar os danos que já vimos e os que estão por vir.  

A professora Adriana Sandre, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, explica que os riscos em função dessas mudanças são os mais diversos. “Podemos elencar vários riscos: o volume excessivo de chuva em algumas regiões como no Rio Grande do Sul, riscos vinculados ao volume excessivo como os alagamentos, deslizamento de terras, proliferação de doenças pelas águas e umidade. Riscos vinculados à nossa área costeira, sujeitas a ondas gigantes e eventuais avanços do mar. Ondas de calor, como vimos na região Sudeste, impactam diretamente a saúde das pessoas e a hidratação. Atingem a segurança alimentar do local, pois prejudicam as plantações da área, também secam os reservatórios de água mais rapidamente. São diversos impactos com os quais teremos que lidar.”  

Ao redor do planeta já existem exemplos importantes de cidades que aplicaram conceitos de sustentabilidade em seus projetos urbanos e obtiveram bons resultados. “Próximo a nós, podemos citar o caso da política dos corredores verdes de Medellín, uma ideia que conecta a cidade por ruas arborizadas em partes lineares, muito eficientes no aumento da biodiversidade na cidade, na diminuição da temperatura do ar e na mitigação das ilhas de calor. Também são importantes para a captação de água das chuvas, evitando enchentes e deslizamentos de terras. Além disso, melhoram a qualidade do ar na cidade.”

O plano foi lançado envolvendo o plantio de cerca de 120 mil plantas individuais e 12,5 mil árvores nas ruas e parques. Em 2021, ele atingiu 2,5 milhões de plantas menores e 880 mil árvores plantadas em toda a cidade. A medida já contribuiu para uma redução expressiva na temperatura da cidade, na melhoria da qualidade do ar e da poluição sonora. A professora cita a cidade de Maringá, no Brasil, que segue essa mesma tendência e também obtém bons resultados. 

Cidades-esponja

Na China, a docente destaca as cidades-esponja, um conceito do urbanismo que trabalha com “espaços anfíbios”, campos, praças e espaços de lazer públicos que servem como reservatórios de água em épocas de chuvas intensas, projetados para mitigar os efeitos da alta no volume de água. “A ideia é você pensar em parques e partes da cidade, como praças e equipamentos públicos, que possam receber as águas, conter aquela vazão e depois realizar o escoamento lentamente ao invés de escoar com toda a velocidade e inundar a cidade como, por exemplo, no Rio Grande do Sul, utilizando os espaços de forma multifuncional”, completa. 

O conceito chinês nasceu na cidade de Jinhua, que frequentemente sofre com enchentes. Dentro de Jinhua acontece o encontro de dois rios. Em períodos de chuva, o nível dos cursos d’água sobe e afeta o restante da cidade. Em 2013, os chineses optaram por mudar o paradigma do seu projeto de defesa contra as enchentes. No lugar de muros de concreto e barragens, a cidade passou a usar enormes parques com passarelas suspensas e solo alagável, capazes de receber o excedente das chuvas sem impactar negativamente a cidade.

Adriana explica que o debate no Brasil acerca das mudanças climáticas ainda não tomou a importância que precisa, mas já encontra avanços. “Vemos ainda um certo negacionismo por parte de determinadas pessoas dentro do governo, que ainda questionam a existência das mudanças climáticas; 20 anos atrás até poderia ser plausível, mas hoje, frente a todos os dados que temos disponíveis, se torna muito frustrante ouvir determinados grupos políticos insistindo no negacionismo climático.”

Ela indica que, para além do negacionismo, os projetos de sustentabilidade encontram barreiras na aceitação de seus modelos. “Infelizmente há uma política de entendimento do concreto como a única solução disponível. Na canalização dos córregos de São Paulo, por exemplo, boa parte sendo feitas com concreto, mesmo que hoje já se saiba que, quando você coloca concreto nas margens, você impede toda uma biodiversidade de acontecer naquela mata ciliar, você impede que a água passe por entremeios daquela região, ou seja, vai passar pelo concreto com toda a velocidade, caindo no fundo de vale com maior velocidade. Isso porque o concreto é um hábito, uma cultura. Já são projetos que são aplicados há muitos anos, é difícil conseguir mudar o paradigma”, finaliza.