Fernando Veloso: o que são comissões de produtividade?

Agenda da produtividade é extensa e de longa duração, e exige qualidade técnica na elaboração e esforço coordenado na implementação. Comissões de Produtividade são arranjo institucional promissor para vencer essas dificuldades.

Fernando Veloso: A tragédia do populismo | Revista LIDE - Reportagens,  notícias, artigos, vídeos e podcastsElevar a produtividade da economia de forma sustentada é um grande desafio, segundo economista. (Foto: Divulgação)

Como discuti em coluna recente (“Produtividade e Bem-Estar Econômico”), existe uma forte associação entre crescimento da produtividade e bem-estar econômico. No Reino Unido, por exemplo, o crescimento da produtividade por hora trabalhada explica cerca de 92% do crescimento de uma medida de bem-estar entre 1977 e 2019. No Brasil, a produtividade por hora trabalhada avançou apenas 0,6% a.a. entre 1981 e 2021, o que corresponde a cerca de 75% do crescimento da renda per capita no período.

Embora fundamental para a melhoria do padrão de vida da população, aumentar a produtividade da economia de forma sustentada é um grande desafio. Além da necessidade de superar problemas estruturais, reformas econômicas costumam ser alvo de pressão de grupos de interesse e enfrentam grande resistência.

Enquanto os custos são imediatos e localizados em grupos específicos, os benefícios são difusos e ocorrem ao longo do tempo. Por isso, é importante que a sociedade civil seja informada com base em dados e estudos de alta qualidade a respeito das consequências de políticas que visem impulsionar a produtividade.

Outra grande dificuldade na implementação de medidas de elevação da produtividade é a fragmentação dos atores envolvidos, em geral com pouca coordenação entre os diversos ministérios e agências. Portanto, é importante criar um mecanismo institucional para a coordenação das políticas de aumento da produtividade.

Inspirados no modelo implementado na Austrália no final da década de 1990, nos últimos anos vários países criaram agências de promoção da produtividade, particularmente no âmbito da OCDE. Essas agências, chamadas de Comissões de Produtividade, procuram combinar algumas características que são desejáveis para um desenho e implementação adequados das reformas, como independência, transparência, capacidade técnica de pesquisa e articulação com policy makers.

Em geral, seu foco é nos obstáculos que afetam os diversos setores da economia como um todo. Além de maximizar as chances de propor políticas que tenham efeito agregado relevante, essa abordagem reduz a chance de captura por parte de grupos de interesse.

As Comissões de Produtividade produzem pesquisa independente e de qualidade que serve como insumo para a elaboração de recomendações aos governos. Isso exige um equilíbrio entre, de um lado, a necessidade de independência para assegurar a credibilidade dos estudos e, de outro, uma conexão com as prioridades estabelecidas pelo governo, para que suas recomendações tenham maior chance de ser adotadas.

Australian Productivity Commission, por exemplo, é uma agência vinculada ao Tesouro, mas com orçamento próprio e autonomia de gestão. A comissão da Nova Zelândia é uma entidade do governo com independência política (independent Crown Entity).

Em 2018, foi criada a Comissão de Produtividade da França (Conseil National de Productivité, CNP) O CNP é uma agência independente composta por 11 economistas acadêmicos, vinculada ao Conselho de Análise Econômica, órgão autônomo que reporta ao Primeiro-Ministro. Cada membro tem um mandato de dois anos, que pode ser renovado.

Uma das atribuições do CNP é preparar um relatório anual, a ser elaborado com base em pesquisas e consultas com especialistas, instituições e organizações da sociedade. O relatório divulgado este ano analisa o impacto da pandemia sobre a produtividade da França e faz recomendações de política para elevar o crescimento nos próximos anos.

Em 2021, foi criada a Comissão de Produtividade do Reino Unido (UK Productivity Commission), financiada com recursos do governo federal. Um dos seus objetivos é examinar as causas do baixo crescimento da produtividade desde a crise financeira internacional de 2007-2008, bem inferior ao de outros países desenvolvidos. Este fato ficou conhecido como UK productivity puzzle. Com base nesse diagnóstico, a comissão deve propor políticas para recuperar o dinamismo da produtividade.

A composição do UK Productivity Commission consiste de 18 especialistas no tema de produtividade. Depois de solicitar contribuições de pesquisadores e realizar audiências públicas, a comissão divulgou seu primeiro relatório em junho deste ano. Além de discutir possíveis explicações do productivity puzzle, o documento apresenta várias recomendações de política.

Em resumo, a agenda de melhoria da produtividade é extensa e de longa duração, particularmente em um país que cresce pouco há várias décadas, como o Brasil. Ela exige qualidade técnica em sua elaboração e um esforço coordenado e persistente por parte do Executivo, Legislativo, Judiciário e da sociedade civil para sua adequada aprovação e implementação.

Comissões de Produtividade representam um arranjo institucional promissor para lidar com essas dificuldades e a criação de uma agência nesses moldes no Brasil deveria ser seriamente considerada pelo próximo governo.

Fonte: FGV/IBRE