Diferenças entre rum e cachaça: quatro pontos essenciais
Por terem origens e matéria-prima semelhantes, é comum encontrar quem não saiba elencar as diferenças entre rum e cachaça. Conheça as principais características dos dois destilados nesta matéria.
Conheça as principais características dos dois destilados. (Foto: Clube do Barman)
Os Dois spirits são feitos a partir da cana-de-açúcar, podem ser envelhecidos por tempos diferentes e são paixões nacionais. Rum e cachaça são destilados antigos, com origens em diferentes pontos do continente americano, mas que passaram algum tempo no ostracismo, em detrimento do uso de bebidas de origem europeia na coquetelaria. Esse período, porém, já chegou ao fim. Hoje, rum e cachaça são cada vez mais celebrados e utilizados no bar.
De tão semelhantes, há quem não saiba elencar as diferenças entre rum e cachaça. Por isso, o Clube do Barman decidiu analisar os dois destilados sob quatro aspectos essenciais para o entendimento de suas particularidades: origens históricas, produção, graduação alcoólica e envelhecimento.
A cana-de-açúcar é matéria-prima dos dois destilados, porém existem diferenças determinantes na produção e graduação alcoólica. (Foto: Clube do Barman)
1º aspectos: origens históricas
Analisar a história tão antiga e conturbada da produção de açúcar nas colônias europeias na recém-descoberta América pode ser uma tarefa extenuante. No século XVI, o açúcar era um produto precioso, assim como as especiarias encontradas nas Índias, e fazia parte de um ciclo econômico bastante lucrativo para os colonizadores. No Brasil, com a chegada de Pedro Álvares Cabral e os primeiros portugueses, foi atestado que o solo era fértil e o clima, tropical, muito semelhante a outras regiões conhecidas por eles no continente africano. Eles já haviam tido experiência com a plantação de cana-de-açúcar antes, portanto, decidiram tentar cultivá-la também em solo tupiniquim.
O que já sabemos é que deu muito certo e o Brasil tornou-se um dos maiores produtores de açúcar do mundo naquela época. E o açúcar passou a ser, também, moeda de troca para escravos, trazidos ao país para integrar a produção deste mesmo produto. Ao serem atingidos por pingos insistentes do melaço de cana fermentado que caía dos tetos dos engenhos e dos alambiques, homens e mulheres escravizados perceberam que aquilo não poderia ser descartado, mas sim apreciado. E qualquer semelhança desses pingos com o apelido “Pinga” não é meramente coincidência. O sabor era bom, por isso começaram a observar o suco e estudar o melaço da cana. Depois, perceberam que a partir da fermentação do melaço de cana, após algumas semanas, um líquido cheiroso se formava. O nome? Cagaça. Após alguns anos, adaptações, gírias e sotaques, um nome prevaleceu: Cachaça. Essa é uma das versões mais divulgadas sobre a origem da aguardente brasileira que, com a evolução da indústria, passou a produzir a cachaça a partir do mosto de cana, conhecido como garapa.
O rum teve uma origem semelhante, também a partir da produção de açúcar para os colonizadores. Estes, porém, eram ingleses. E o solo, caribenho. O jornalista e pesquisador Wayne Curtis, estudioso do mundo dos destilados e colaborador da revista Imbibe, explorou as raízes do rum na coquetelaria em seu livro ‘And a Bottle of Rum: a History of the New World in Ten Cocktails’. Segundo suas investigações, a bebida foi criada em
Barbados, por volta do século XVII, a partir de subprodutos da indústria açucareira da região, que muitas vezes eram descartados.
A cultura da cana-de-açúcar no país foi introduzida pelo inglês James Drax e aprimorada por famílias holandesas. Ambos tinham uma coisa em comum: passaram pelo Brasil no século XVII, onde acumularam experiências no plantio da cana. Barbados tornou-se uma região de produção açucareira e, após os primeiros experimentos na produção da aguardente aprendida pelas viagens na América, o melaço de cana fermentado foi levado para solo inglês – onde ganhou o mundo.
Assim, rum e cachaça surgiram em lugares diferentes em períodos diferentes. Enquanto a cachaça, de acordo com a legislação brasileira, é um produto que só pode ser feito em solo nacional, o rum pode ser feito, teoricamente, em qualquer lugar do mundo. Por este motivo, é possível encontrar publicações estrangeiras que chamam a cachaça de Brazilian rum.
De acordo com a lei brasileira, a cachaça deve ter de 38% a 48% de graduação alcoólica. (Foto: Clube do Barman)
2º aspecto: produção
Para entender as diferenças entre rum e cachaça, precisamos analisar sua produção. Os dois são destilados e passam por praticamente as mesmas etapas industriais, que incluem a fermentação e destilação em colunas ou alambiques. Porém, a diferença mais pungente está na forma com que cada uma delas utiliza os subprodutos da cana de açúcar.
A cachaça, por exemplo, é feita a partir da fermentação e destilação da garapa, isto é, do suco de cana fresco. Por outro lado, o rum é produzido do melaço, ou seja, o caldo cozido da cana, que é considerado um dos principais subprodutos da indústria do açúcar. Do ponto de vista químico, existem diferenças na quebra do açúcar que posteriormente é transformado em álcool. As diferenças químicas resultantes destes processos de produção levam à distintas características de sabor, aroma e finalização nos dois destilados.
3º Aspecto: graduação alcóolica
De acordo com a legislação brasileira que regulamenta a indústria de bebidas através do decreto nº6871/2009, existem conceitos de graduação
alcoólica que configuram diferenças entre o rum e a cachaça. De acordo com esta lei, a cachaça deve ter de 38% a 48% de álcool em sua composição, com o acréscimo de até seis gramas de açúcar por litro.
O rum, por outro lado, pode ter graduação alcoólica maior. Conforme a mesma lei, o destilado deve ter entre 35% a 54% para ser comercializado no Brasil. Sobre este assunto, vale a pena ressaltar que tal decreto regulamenta somente as bebidas vendidas no Brasil, portanto, em outros países é possível encontrar tipos de rum com graduação alcoólica ainda maior, como os chamados overproof, que podem chegar a mais de 60%.
A cachaça não possui uma exigência legal de envelhecimento. (Foto: Clube do Barman)
4º Aspecto: Envelhecimento
O último aspecto sob o qual vamos analisar as diferenças entre rum e cachaça é o do envelhecimento. Sabemos que o rum é, via de regra, uma bebida envelhecida, que segue padrões de acordo com o local onde é produzida. Mas uma coisa é comum entre os produtores: o envelhecimento é feito em barris de carvalho, utilizados anteriormente na produção de bebidas como o whiskey americano ou bourbon.
Ainda sobre o rum, cada país determina o tempo de maturação mínima para a bebida, não há uma lei internacional para isso. Em Cuba, por exemplo, o tempo de envelhecimento mínimo é de dois anos. Ao pegar uma garrafa de Havana Club em mãos, é possível identificar o tempo de envelhecimento mínimo do rum mais jovem utilizado naquele blend. E tempo de envelhecimento não é diretamente proporcional à qualidade do rum. Por ser produzido em regiões de clima tropical, o rum não pode ser envelhecido por longos períodos, como acontece com o whisky ou cognac.
A cachaça, por outro lado, não possui uma exigência legal de envelhecimento. Ao ser maturada, porém, ganha características de sabor, aroma, coloração e suavidade muito apreciadas pelo público e que abrem um leque de possibilidades na coquetelaria, graças à variedade de madeiras disponíveis. Ipê, amburana, jequitibá e o carvalho são apenas algumas das opções.
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