Entre flores e docas: a magia portenha do Floreria Atlantico
Inspirado na tradição portuária de sua vizinhança e nas riquezas da imigração, o speakeasy capitaneado argentino tem influências multiculturais.
Inspirado na tradição portuária de sua vizinhança e nas riquezas da imigração. (Foto: Clube do Barman)
Bibliotecas, salas de jogos, bunkers e cabines telefônicas são cenários comuns quando o assunto é speakeasy. Popularizados na América do Norte e Europa, eles ganharam novos ares na América do Sul. Por isso, espanta-se quem descobre que o sétimo melhor bar do mundo está dentro de uma bela floricultura, escada abaixo.
Entre arranjos de flores frescas e cheirosas, ficam estantes com algumas das melhores garrafas de vinho da casa. As rosas, margaridas e outras tantas flores que colorem a entrada do estabelecimento não são meros enfeites.
Todos os dias, Aline Vargas, esposa de Renato Giovannoni, proprietário do bar, abre a floricultura e vende arranjos para clientes do bairro. O expediente da loja termina somente quando o bar fecha suas portas, já durante a madrugada. A porta do freezer que deveria guardar as flores mais delicadas, na verdade, é o portal para o speakeasy argentino. Aí está a magia etílica do Florería Atlántico.
No balcão mais longo do país, com a capacidade para 67 pessoas sentadas, os bartenders se revezam entre taças (ou copas, como se diz em espanhol) de vinho, cervejas e cocktails inspirados na imigração e multiculturalidade da capital argentina.
Flores decoram a entrada do bar e podem ser adquiridas durante o dia. (Foto: Florería Atlántico)
Herança multicultural
Localizado ao número 872 da Calle Arroyo, o bar fica próximo do antigo Edifício Bencich, construído pelo empresário croato-argentino Nicolás Mihanovich. Grande nome do setor das navegações no início do século XX, ele construíra um prédio com uma torre para que dela pudesse ver seus navios zarparem do porto.
Suas embarcações traziam a Buenos Aires imigrantes italianos, poloneses, franceses, ingleses e espanhóis refugiados das guerras que assolavam a Europa no século passado. Suas primeiras paradas eram, impreterivelmente, os bares da capital. Cada uma das nações tinha seu spirit e tradições próprias, que se misturaram nas casas portenhas e criaram a atual cena etílica da cidade.
Por isso, o menu da casa permite que a história dos imigrantes continue sendo recontada através de cocktails autorais. O bar dispõe de uma carta de bebidas com seções à base de gin, vodka, vinhos, vermutes e outros destilados. Os bons clássicos também não podem faltar, e alguns deles, como é o caso do Ballestrini Negroni, ganham um twist portenho muito familiar – a bebida leva gin argentino, vermute, aperitivo italiano, amaro, água salgada e eucalipto – defumado com assado argentino. O cocktail foi recriado em homenagem ao avô do proprietário do bar.
Para harmonizar com os drinks, cervejas e vinhos servidos no balcão do Florería Atlántico, não faltam boas opções de pratos à base de peixes e frutos do mar. Além dos pescados do dia, servidos com batatas, também é possível saborear as tradicionais tapas e, para os carnívoros, uma boa parrilla argentina.
Dynamo de Kief, feito com Wyborowa vodka, kief caseiro e maçã verde assada (Foto: Florería Atlántico)
Inspiração náutica
Dono do balcão mais comprido do país e preocupado com cada detalhe hospitaleiro, Giovannoni começou sua carreira trabalhando com o pai, dono de alguns bares e restaurantes na Argentina. Depois de passar por quase todos os cargos nos bares de sua família, ele estudou design gráfico e cinema, para depois retornar à sua grande paixão: a coquetelaria.
A paixão pelas áreas gráficas e etílicas se dá em cada detalhe do bar. Buscando aproximar os visitantes das navegações, o bartender pintou a mão todas as figuras míticas dos mares que estampam as paredes da casa. A pintura é envelhecida, lembrando as cartas náuticas de antanho, e os tetos parecem descascados como papel. O bar é escuro, fazendo referência à realidade dos navios, assim como a estrutura metálica de algumas pilastras.
“Hoje eu vejo que tudo acontece no momento certo. Eu estudei design gráfico, fiz o rótulo das minhas bebidas e desenhei as paredes do meu bar. Eu cresci perto da praia e meu bar tem a ver com o oceano. Uma hora você percebe como tudo se junta e faz sentido”, refletiu durante palestra dada no Super Bar Professional 2018, em São Paulo.
Negroni Ballestini (Foto: Florería Atlántico)
Na rota dos melhores do mundo
Aberto oficialmente em 2013, foram necessários somente seis meses para que o Florería Atlántico figurasse entre os melhores bares do mundo – lista que praticamente não abandonou desde então. Em 2020, a casa alcançou sua melhor colocação com o 7º lugar.
No evento de 2018, o argentino revelou: “Hoje vejo muita gente querendo abrir um bar ‘50 Best‘, mas a verdade é que ninguém realmente sabe como fazer isso”.
“Eu não abri meu bar para estar em uma lista, mas ficamos felizes pelo reconhecimento do nosso trabalho pela indústria”, explicou. Uma única vez, em 2015, a casa ficou na posição 51ª no ranking mundial e deixou a lista
temporariamente, o que não abalou a confiança da equipe. “Para mim, o que realmente importa é ver o cliente sorrindo no meu bar e voltando outras vezes”.
Paredes trazem ilustrações de alguns monstros marinhos que aterrorizavam pescadores (Foto: Florería Atlántico)
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