Scofflaw, um drink para os fora da lei na época da Prohibition
Durante a Lei Seca norte-americana, um concurso pagou com ouro o criador de um nome para aqueles que desrespeitavam as leis sobre bebidas. A palavra: ‘scofflaw‘. Para zombar da escolha, foi criado um drink com esse nome em Paris.
Scofflaw, um drink para os fora da lei na época da Prohibition. (Foto: Clube do Barman)
Em pleno século XXI, parece impossível imaginar que um país tenha conseguido sobreviver à Prohibition – ou Lei Seca americana. E realmente foi impossível. A história nos mostra que os tempos de temperança não foram capazes de deter o mercado das bebidas e o consumo de álcool nos Estados Unidos. No ano em que comemoramos 88 primaveras do fim da Prohibition – porque, claro, não comemoraríamos seu início -, contamos a história de um de seus drinks mais caricatos: o Scofflaw.
O nome não possui tradução formal, mas foi criado a partir da justaposição de duas palavras em inglês: scoff + law. De acordo com o Dicionário Oxford, o verbo scoff significa ‘falar com alguém ou sobre algo de uma maneira escarninha ou zombeteira’, ou ainda ‘uma expressão de zombaria’. Law, é ‘lei’. Logo, temos, ‘zombar da lei’.
A palavra criativa foi inventada durante a própria Prohibition, em 1933, em um concurso organizado para escolher o epíteto que mais envergonhasse os mal orientados – ou, como sabemos, aqueles que faziam o possível para conseguir um drink durante os anos mais obscuros da coquetelaria mundial.
Encomendado pelo banqueiro pró-Lei Seca, Delcevare King, o concurso reuniu cerca de 25 mil propostas, porém ‘scofflaw’ foi a grande vencedora.
Publicação do concurso em jornal. (Foto: Clube do Barman)
O prêmio de U$200 foi pago em ouro e dividido entre duas pessoas: Henry Irving Dale e Kate L. Butler, ambos de Massachusetts. Este valor que parece ínfimo valeria, hoje, cerca de R$14.540,79.
Na época, o concurso atraiu a atenção da mídia e grandes jornais americanos cobriram o acontecimento, como o The Boston Globe e o Atlanta Journal Constitution e o Christian Science Monitor.
Como sabemos, tanta publicidade gerou um efeito contrário, fazendo com que algumas pessoas decidissem criar concursos para eleger um antônimo de scofflaw. Contudo, nenhum repercutiu à altura e o nome Scofflaw ficou marcado na história.
Delcevare King: o mentor intelectual
Ferrenho apoiador dos tempos de temperança, o banqueiro ficou marcado por toda a vida pelo nome do cocktail. A história de suas cruzadas a favor de temas controversos e também do concurso para eleição do nome tomaram grande parte do seu obituário, publicado no The New York Times em 22 de março de 1964.
King, formado na Universidade de Harvard em 1895, já havia lutado por alguns temas pouco relevantes, como: usar a cor da universidade, carmesim, nas cores das classes individuais, tocar músicas de equipes visitantes em jogos de futebol de Harvard, introduzir o Esperanto como uma segunda língua da América, entre muitos outros.
Delcevare King. (Foto: Clube do Barman)
Em outra ocasião, ele criticou a glorificação de beber na canção “Johnny Harvard”. No concurso para a escolha do nome que designasse os bebedores fora da lei, o corpo de jurados foi composto por ele próprio, um superintendente da Anti-Saloon League of America e um ministro de Boston.
À época do concurso, King afirmou à imprensa americana que seu objetivo era “atingir a consciência pública sobre a aplicação da lei”.
Seu mentor etílico: Jock
De acordo com um dos mais respeitados historiadores da coquetelaria, Gaz Regan, o concurso feito por King ficou tão conhecido que atravessou o oceano e chegou à França, terra onde as bebidas não eram proibidas e a criatividade dos bartenders fervilhava.
Assim como muitas histórias de drinks, o surgimento do Scofflaw nos leva ao balcão do Harry’s New York Bar, em Paris. Jock, sobre o qual não existem muitas referências históricas, teria criado o cocktail fazendo testes de forma espontânea, usando os ingredientes de que já dispunha no bar, apenas aproveitando o buzz da história na Europa.
Harry’s New York Bar Paris, berço centenário do Scofflaw. (Foto: Clube do Barman)
Bourbon, Rye e Scoth
Por mais que algumas receitas tenham surgido a partir do teste com outras bases alcoólicas para o Scofflaw, todas envelhecidas, uma coisa é indiscutível: o whisky é o ideal. Assim como outros drinks da época denotavam, este era o spirit favorito dos americanos e a Europa cada vez mais abraçava essa tendência.
Ainda na década de 1920, o cocktail foi criado com rye whiskey por um simples motivo: legalmente, as destilarias de whiskey bourbon deveriam estar fechadas. Mas como já sabemos, a destilação de má qualidade corria solta em porões e casas no interior dos Estados Unidos, fazendo com que um mercado informal da bebida movimentasse milhares de dólares todos os anos, financiados, principalmente, pelo contrabando de garrafas e pelo consumo nos speakeasies.
Drink scofflaw. (Foto: Clube do Barman)
O efeito destes tipos de whiskey no sabor final da bebida é sutil, mas muito importante. Feito à base de cereais, como o centeio, rye ou whiskey canadense dá um toque mais apimentado para os cocktails.
O bourbon, mais utilizado no preparo do Scofflaw atualmente, tem notas de sabor predominantemente amadeiradas e carameladas. Já o scotch whisky, tem notas defumadas e florais, que também podem acrescentar sabores interessantes ao cocktail.
Portanto, há um grande território a ser explorado na receita do Scofflaw. A seguir, um Scofflaw preparado com whisky Ballantine’s Finest, ou seja, um Scotchlaw:
Scotchlaw
Ingredientes: 60 ml de Whisky Ballantine’s Finest (original com bourbon ou rye whiskey) 30 ml de vermute seco 7,5 ml de suco de limão siciliano 15 ml de grenadine 2 dashes de orange bitters
Modo de preparo: Adicione todos os ingredientes a uma coqueteleira com gelo e agite. Faça uma coagem dupla para uma taça cocktail ou coupe. É opcional guarnecer com um zest de limão siciliano.
[Beba com moderação. Não compartilhe com menores de 18 anos.]