Whiskey Sour: conheça as histórias deste clássico secular

Não há dúvidas de que o Whiskey Sour é um dos patrimônios mais antigos e valiosos da coquetelaria. A clássica combinação do destilado com suco de limão, açúcar e (quase sempre) clara de ovo figura em qualquer carta de drinks que se preze há séculos. Tão rica quanto o sabor do cocktail é a sua história!

Whiskey Sour - CapaConheça as histórias deste clássico secular. (Foto: Clube do Barman)

Se há um drink capaz de render boas horas de assunto em qualquer balcão, este é o Whiskey Sour.

A começar pelas diversas teorias sobre quem, de fato, cunhou a receita original. Considerando a quantidade de versões, uma solução pacífica talvez seja creditar a cada um dos envolvidos parte da criação. E, principalmente, da consolidação do cocktail na mixologia internacional.

Antes disso, porém, é preciso voltar ao século XVIII, para entender sua origem. Foi quando um cientista escocês chamado James Lind descobriu que as frutas cítricas eram um potente preventivo ao escorbuto, causado pela falta de vitamina C no organismo. A doença era bastante comum na Idade Média, especialmente entre as tripulações dos navios. Por isso, tão logo a notícia chegou à Marinha Britânica, virou regra. A recomendação era para que os marinheiros ingerissem doses diárias generosas de suco de limão.

Ordens eram ordens, mas os bretões resolveram dar seu jeito para disfarçar o sabor do limão puro, passando a misturá-lo com rum. Acabaram descobrindo uma combinação interessante e agradável, que “atracou” com eles em vários pontos do planeta. Com o passar do tempo, a troca do rum pelo whiskey se consolidou, assim como a adição de açúcar para equilibrar sua acidez.

THOMAS, WAUKESHA OU STUBB?

Boa parte do acervo norte-americano online dedicado à coquetelaria atesta que o primeiro a registrar a receita do Whiskey Sour foi o nova-iorquino Jerry Thomas, em seu livro “The Bartenders Guide or The Bon Vivant’s Companion”, de 1862. Segundo esta versão, o livro trazia uma receita com os três ingredientes originais acrescidos de gelo raspado e recomendaria servi-la em um copo baixo.

A equipe do Clube do Barman foi direto à fonte e constatou, porém, que ao menos na edição original a receita não aparece. Isto pode ter ocorrido em reedições posteriores, mas coloca em cheque o pioneirismo deste ícone da literatura científica de bar neste caso.

Com isso, a autoria da primeira citação pública sobre a produção de um Whiskey Sour recai sobre o jornal Plain Dealer, da cidade de Waukesha, no estado do Wisconsin (EUA). Isso se deu oito anos após a suposta publicação de Thomas, na edição do dia 4 de janeiro de 1870. Considerando as telecomunicações da época e a distância de 800 milhas entre Waukesha e Nova York, portanto, é bem provável que a bebida já estivesse sendo descoberta e consumida simultaneamente em diversos bares espalhados pelo território ianque.

2 - Citação em jornal
Waukesha Dealer, em Wisconsin (EUA), cita o Whisky Sour em edição de 1870. “‘Então, que Deus tenha misericórdia de sua alma’, foi o que eu disse enquanto tomava um gole do drink de meu primo. ‘Amém’, disse o metodista, enquanto pedia outro Whiskey Sour”.

Para tornar ainda mais controversa a origem do cocktail, há ainda outro relato daquele mesmo período. Em 1962, a Universidad Nacional de Cuyo, da Argentina, publicou uma narrativa no livro “Anales del Instituto de lingüística” sobre um cidadão chamado Elliot Stubb. Ele teria criado o Whiskey Sour em 1872, após abandonar o trabalho como mordomo no veleiro Sunshine e se estabelecer como dono de bar nas cercanias do cais de passageiros do Porto de Iquique (então território peruano – e não chileno).

Entre um teste e outro com as coqueteleiras para criar um drink novo, eis que Stubb se encantou com o equilíbrio perfeito de sabores ao misturar o whiskey e limão, acrescentando um pouco de açúcar e gelo. A bebida virou a principal atração do seu bar e a proximidade de um porto facilitou sua propagação além-mar, chegando à Inglaterra e às ilhas britânicas.

Além destas, certamente ainda há muitas outras histórias que relatam a criação do drink em locais e circunstâncias diversas. Uma boa sugestão é sedebruçar sobre as suas fontes de pesquisa e buscar mais informações, degustando, é claro, um bem preparado Whiskey Sour:

Whiskey Sour

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(Foto: Clube do Barman)

Ingredientes

45 ml de bourbon whiskey 30 ml de suco de limão siciliano 15 ml de xarope de açúcar 15 ml de clara de ovo (opcional)

Modo de preparo

Adicione todos os ingredientes em uma coqueteleira e agite com gelo. Coe com um julep strainer para um copo old fashioned com gelo e guarneça com meia fatia de laranja e uma cereja ao maraschino.

Atravessando eras

Fato é que o Whiskey Sour sofreu com as mudanças culturais e tecnológicas durante o século XX, tanto quanto outros clássicos. A começar pela Lei Seca norte-americana, quando se tornou cada vez mais difícil encontrar spirits em sua forma original. Ainda assim, mesmo quando isso ocorria, era difícil escapar da adição de água ou corante. Em resumo: os sours e outros drinks simples sofriam por não possuírem complexidade suficiente para esconder tal artifício.

Finda a proibição, veio a Segunda Guerra Mundial. E aí foi a vez das destilarias norte-americanas deixarem de lado a produção de bebidas para produzir álcool industrial. O líquido era utilizado no front de batalha. Somente a partir dos anos 1960 é que o rum e o whiskey começaram a retomar sua produção com a excelência do período pré-Lei Seca.

Por fim, ainda foi preciso superar o consumismo e o imediatismo que regeu as décadas seguintes. Os cocktails artesanais sofreram mais um duro golpe, desta vez com a expansão de mercado para as bebidas industrializadas. Ou seja, ao invés de espremer os limões e adicionar açúcar, havia a opção de abrir algo pronto e levar à mistura. Com isso, perderam-se nuances e detalhes que só a sensibilidade do bartender poderia determinar como diferenciais.

Hoje, o Whiskey Sour deve parte de seu prestígio à revitalização dos clássicos. E também à redescoberta do uso de ingredientes e insumos artesanais. Isto tem tornado possível reexplorar várias maneiras de manipular a receita, sem perder o equilíbrio entre a doçura, o amargo e o álcool. E assim, cada bar tem a chance de agregar um toque particular para este drink tão emblemático. Seja o mais despojado, que poderá adicionar um sour mix ao destilado; o clássico, devotado aos ingredientes da receita original; ou o artesanal, que por certo recorrerá à clara de ovo e aos bitters, a chance de um drink extremamente saboroso chegar à mesa é realmente grande.

“As três coisas que você precisa para uma noite perfeita são um Whiskey Sour, uma chuva de meteoros e um táxi que chegue antes de você estender a mão”

Dorian Crook, comediante norte-americano.

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Dorian Crook. (Foto: Clube do Barman)

Apreciadores ilustres

A escritora norte-americana Dorothy Parker era uma entusiasta declarada do Whiskey Sour. Contestadora por convicção e reconhecida pela habilidade em transitar pelo sarcasmo e realismo puros, ela dificilmente dispensava a bebida.

Aliás, seu costume ainda é reverenciado pelos frequentadores da sociedade literária que discute sua obra, em Nova York. Em 2013, seu fundador, Kevin Fitzpatrick, lançou um livro com excertos de obras da autora e as receitas dos drinks que ela costumava saborear “ao lado de amigos e de doces inimigos”: Under the Table – A Dorothy Parker Cocktail Guide.

A lista de autores ilustres que apreciavam este clássico também inclui Ernest Hemingway – ainda que sabidamente um contumaz consumidor de Mojitos – e F. Scott Fitzgerald. Em seu livro To Have and Have

Another, Philip Greene conta que Hemingway apresentou a bebida ao colega de forma inusitada.

O episódio ocorreu em uma viagem de carro de Paris para Lyon, debaixo de muita chuva. Hipocondríaco assumido, Fitzgerald agonizava por uma suposta falta de ar causada pela umidade. Hemingway, com sua habitual presença de espírito, recomendou uma parada e pediu a bebida para socorrê-lo. A receita vingou e os dois felizmente chegaram sãos e salvos ao destino.

Mas nem só de ilustres é formada a legião de fãs deste clássico. Nos Estados Unidos, a devoção é tamanha que há um Dia Nacional do Whiskey Sour previsto no calendário: 25 de agosto.

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