Alterações na Lei das Falências preocupam especialistas

Aprovada pela Câmara dos Deputados, a reforma é vista como apressada e pouco eficiente.

Paulo (1)Paulo Sant´Anna, advogado no Araúz Advogados. (Foto: Divulgação)

Novas atribuições à assembleia geral de credores, plano de falência, figura do gestor fiduciário e rápida liquidação de ativos. Essas são algumas das principais novidades propostas pelo Projeto de Lei 3/2024, que altera a Lei das Falências.

Apesar de mirar na agilidade e desburocratização do processo falimentar, a atualização, aprovada pela Câmara dos Deputados, é avaliada com temeridade por especialistas.
De acordo com Paulo Sant´Anna, advogado no Araúz Advogados, as alterações, que correram em regime de urgência, deveriam ter passado por debates mais aprofundados na comunidade jurídica.

“O propósito de celeridade e eficiência tende a propiciar um ambiente de negócios menos hostil a financiadores, credores e investidores. No entanto, as propostas apresentadas talvez não alcancem o objetivo almejado. A obsessão, por exemplo, com a fixação de prazos para realização de ativos na falência, como se apenas isso fosse suficiente para resolver o problema da morosidade, não surtirá o efeito desejado, tal como ocorre atualmente com o stay period na recuperação judicial.”, afirma.

É ponto pacificado que alterações legislativas não devem correr de forma apressada e, mais do que isso, precisam vir para aprimorar as regras vigentes, trazendo maior efetividade prática e acompanhando as evoluções sociais.

Márcio Pereira (1)Márcio Pereira, sócio fundador do Pereira Consultoria Jurídica e Advocacia. (Foto: Divulgação)

Para Márcio Pereira, sócio fundador do Pereira Consultoria Jurídica e Advocacia, não foi isso que aconteceu com as mudanças na Lei das Falências.

“O caráter de urgência na tramitação de um projeto desta envergadura, com reflexos importantes em uma legislação altamente relevante, pode trazer mais malefícios do que benefícios. O que é pior, pontos importantes, que tendem a ser muito benéficos ao processo falimentar, podem ser ofuscados pela açodada aprovação”, explica.

Os dois especialistas avaliam que o saldo do projeto, apesar de conter aspectos positivos, como maior efetividade no atendimento aos interesses de credores e processos menos burocráticos, é negativo.

“Principalmente porque a aplicação prática das formas estabelecidas para tentar acelerar a realização de ativos na falência será muito difícil”, destaca Sant´Anna.
Olhando para o passado, as alterações anteriores, promovidas pela Lei 14.112/2020, diferente de agora, foram negociadas por anos e durante audiências públicas.

“Essas mudanças sequer tiveram tempo de ser experimentadas em seu todo e já se traz um novo projeto de lei. A pergunta que fica é: será que o propósito está realmente alinhado à motivação?”, questiona Pereira.

Para o advogado, a pretexto de criar um ambiente mais célere e transparente, a atualização pode trazer mais morosidade. Afinal, a tramitação de um projeto de lei que recebe um número significativo de críticas, precisa ser repensada, pois diminui em muito as chances de sucesso prático.

As alterações

A alteração mais significativa, criticada, de um lado, por advogados, Ministério Público e juízes, e apoiada, de outro, pelo Governo e partidos de oposição, é a possibilidade de que credores elenquem um gestor fiduciário para realizar a liquidação dos ativos e estruturar um plano de falências.

Apesar de uma maior participação dentro do processo deliberativo, credores podem se deparar com um desequilíbrio de poderes. “A previsão de um ‘plano de falência’ para a realização de ativos deverá trazer litigiosidade entre os credores”, alerta Sant´Anna.

Outros pontos que preocupam são a limitação de quatro falências por administrador judicial e a possibilidade de encerramento das varas e câmaras especializadas em Direito Empresarial.

“Entre os pontos positivos, está o reconhecimento de que o crédito objeto de cessão, sub-rogação ou sucessão preserva sua natureza e classificação, bem como de que o titular deste crédito, em assembleia, vota pela quantidade total de titulares dos créditos sucedidos”, elenca o advogado.

Ainda assim, para Pereira, a pretexto de criar um ambiente mais célere e transparente, a atualização pode trazer mais morosidade.Cabe, agora, aguardar que o Senado realize correções na reforma, garantindo a assertividade e efetividade. 

“O esperado é que o Senado corrija, ao menos, pontos de maior relevância prática, a exemplo de uma melhor adequação da figura do gestor fiduciário, e zele para que as alterações de fato tragam efeitos que a médio longo prazo resultem em maior competitividade do Brasil por investimentos internacionais”, finaliza o sócio fundador do Pereira Consultoria Jurídica e Advocacia.

O executivo solicitou a retirada da urgência na tramitação do projeto no dia 9 de abril.