Mário Sérgio: o principal impacto da guerra na Ucrânia sobre a economia brasileira é a inflação

Em entrevista à Revista Indústria Brasileira, o gerente executivo de economia da CNI, aborda os impactos da guerra na economia brasileira.

Para Mário Sérgio, a guerra já tem gerado um aumento de preços das chamadas commodities, além de um possível aumento da taxa de juros
Para Mário Sérgio, a guerra já tem gerado um aumento de preços das chamadas commodities, além de um possível aumento da taxa de juros (Foto: Divulgação/CNI)

O gerente executivo de economia da CNI, Mário Sérgio Telles, conversou com a Revista Indústria Brasileira sobre os efeitos do conflito entre Rússia e Ucrânia na cadeia global econômica. “O principal impacto da guerra na Ucrânia sobre a economia brasileira é a inflação, que pode ter reflexo sobre a taxa de juros. Mas há outros efeitos, como nas próprias relações comerciais e no fornecimento de insumos”, declarou.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Qual o principal impacto para a indústria brasileira da guerra entre Rússia e Ucrânia?

MÁRIO SÉRGIO TELLES - A guerra tem gerado um aumento de preços das chamadas commodities, que são os produtos agrícolas e os produtos minerais, entre eles o petróleo. Esses efeitos acabam sendo reproduzidos no Brasil, como temos visto no caso dos alimentos e dos combustíveis. A alta no preço de outros minerais também afeta, por exemplo, o valor do aço. De uma maneira geral, os custos das empresas acabam aumentando e são repassados aos consumidores. Então, o principal impacto da guerra na Ucrânia sobre a economia brasileira é a inflação, que pode ter reflexo sobre a taxa de juros. Mas há outros efeitos, como nas próprias relações comerciais. A Rússia é um país do qual o Brasil importa bastante, principalmente fertilizantes e petróleo. Um terceiro impacto é com relação ao fornecimento de insumos. Além dos fertilizantes, a Rússia é fornecedora também de um minério chamado palladium, usado para fazer chips e semicondutores. É um insumo que está muito em falta no mercado internacional, gerando problemas na indústria automobilística no Brasil e no mundo. A guerra também pode levar a restrições nesse fornecimento. 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Esse cenário poderá levar a um aumento ainda maior da taxa básica de juros no Brasil?

MÁRIO SÉRGIO TELLES - Infelizmente, o aumento da taxa de juros deve ser maior. Como a inflação não deve ter aquele movimento de queda que nós estávamos esperando no final do ano passado e no início deste ano de 2022, o Banco Central vai ter de elevar os juros para um nível acima daquele que elevaria sem os efeitos da guerra. Nós estávamos com uma previsão de que o Banco Central iria aumentar a taxa básica de juros neste ano até o patamar de 11,75%, o que já aconteceu no dia 16 de março. Com as novas pressões inflacionárias vindas como efeito da guerra, esse movimento do Banco Central deve ir além. Devemos rever nossa projeção da taxa de juros provavelmente para 13% ao ano e o impacto para a economia será sobre o consumo, o que vai afetar a indústria. Com taxa de juros mais alta, as pessoas tendem a consumir menos e aí a indústria vai produzir menos. Um segundo impacto será diretamente nas empresas: com taxas de juros maiores, as empresas acabam se financiando com um custo maior e isso impacta o resultado. 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O preço dos produtos industriais poderá ser afetado por esse conflito?

MÁRIO SÉRGIO TELLES - Todos esses efeitos de que falamos dependem da duração do conflito. Se o conflito eventualmente acabar nos próximos dias, o efeito sobre preços tende a não acontecer porque a indústria tem muita dificuldade para repassar aumento de preços para o consumidor final devido à concorrência com os importados e à concorrência entre as próprias empresas industriais. Ou seja, a indústria tende a reter o aumento do repasse de custos. Se a guerra acabar rapidamente e essas pressões passarem, a tendência é que os repasses de preços sejam menores. Se a guerra se estender, acaba sendo inevitável o repasse do aumento de custos para os preços porque senão a empresa perde completamente sua estabilidade financeira e a sua viabilidade econômica. 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Nesse contexto, a saúde financeira das empresas industriais poderá ser afetada?

MÁRIO SÉRGIO TELLES - Sim. O aumento de juros afeta diretamente o custo das empresas. As necessidades de financiamento, ainda que seja para capital de giro, são comuns e as empresas tendem a recorrer a esse tipo de operação financeira, que já está mais cara. Isso impacta diretamente no resultado das empresas, muitas das quais têm tido dificuldades nos últimos anos. As empresas industriais já não estavam com a situação financeira positiva devido à crise econômica no Brasil e aos duros efeitos da pandemia. Embora o setor industrial tenha sido um dos primeiros a reagir recentemente, o histórico de anos de maus resultados e de baixa produção, agravados pela pandemia, ainda não foram recuperados.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E o efeito sobre a cadeia global de insumos?

MÁRIO SÉRGIO TELLES - O impacto fundamental tem se dado nas commodities energéticas, sobretudo no petróleo, e em outras commodities minerais como o palladium. No caso de alimentos, a própria instabilidade gerada pela guerra tem levado ao aumento no preço de alguns produtos e há possibilidade de ter, até mesmo, um novo aumento no transporte marítimo e no preço dos fretes, que tem sido recorrente depois da pandemia. Todos esses efeitos podem se refletir nas cadeias globais de valor, principalmente com essas restrições de insumos e também com o aumento do preço dos fretes internacionais. 

 

Fonte: Agência de Notícias da Indústria