Melhora de governança institucional e regulatória é chave para atração de investimento externo em infraestrutura, dizem especialistas

Entrevistado avalia sobre a estruturação de projetos de infraestrutura também do ponto de vista de inclusão social, em áreas como saúde, educação e mobilidade.

Reformulação do teto de gastos que exclua os investimentos da regra também foi discutida (Foto: Divulgação)

 

Apesar de ter sido foco de várias políticas nos últimos anos - entres elas, a aprovação da Lei das Agências e marcos regulatórios como o do saneamento, do 5G, do gás e do saneamento - além de ter registrado avanços no setor de concessões, a infraestrutura no Brasil tem registrado um investimento aquém do necessário para garantir produtividade e competitividade do setor produtivo brasileiro e bem estar à população. De acordo com a consultoria Inter.B, no período 2021/22, esse investimento caiu para 1,7% do PIB, de uma média de 2% entre 2001-20, enquanto o país precisa de uma demanda contínua de 3,6% a 4,1% do PIB em duas décadas para promover a modernização necessária para atender esses objetivos.

Com a proximidade da definição das eleições presidenciais, na semana passada, em evento na Fiesp, o Centro Brasileiro em Relações Internacionais (Cebri) lançou um policy paper, apontando diretrizes para esse salto adicional no setor. No documento, escrito pelos conselheiros do Cebri André Clark, (vice-presidente sênior para América Larina da Siemens Energy) e Claudio Frischtak, (sócio gestor da Inter.B) e pelo senior fellow da instituição Ricardo Ramos (do conselho de administração da M. Dias Branco), os autores focaram políticas voltadas a três segmentos: saneamento, telecomunicações e transportes.

O documento aponta que a parcela pública desse investimento caiu para cerca de metade do observado no entre 2010-14, estimada em 0,56% do PIB em 2022, representando ⅓ do total. “Certamente teremos um 2023 duríssimo do ponto de vista fiscal, e não bastará buscar espaço para ampliar o investimento público”, afirmou Frischtak no evento, indicando que, pelo contexto das contas públicas brasileiras, será difícil ampliar essa fatia além de 1% do PIB. Para atrair investimento privado suficiente para cobrir essa brecha, Frischtak afirma que a primeira tarefa será mostrar que o país não só está empenhado em investir mais, como em investir melhor. “Isso começa pela melhora da governança institucional, que em alguns aspectos tem regredido nos últimos anos. Um exemplo é o crescimento da emenda de relator dentro do Orçamento público, que em 2023 conta com recursos em torno de R$ 20 bilhões. Boa parte desse valor vai para  investimentos em infraestrutura fragmentados, sem planejamento nem fiscalização efetiva. Não é o investimento que faz sentido para o nosso país”, diz, ressaltando a importância de se privilegiar a análise de custo-benefício desse investimento, “bem como a taxa social de retorno, para dizer qual prioridade estabelecer”.

Outra frente citada por Frischtak, presente no policy paper, é a redução da insegurança jurídica, “o que demanda agenda própria, de melhora na interlocução com nosso Judiciário”, e da imprevisibilidade regulatória. “Apesar da lei ser excelente, ela foi furada em dois ou três artigos que dão margem a indicações políticas, e vemos que a qualidade das decisões que saem desses órgãos tem se deteriorado. É preciso uma decisão conjunta entre Executivo e Congresso para proteger essas agências, fator importante para a atração de investimento privado”, afirmou. 

No campo do financiamento, a recomendação do documento é que as restrições de balanço das empresas para impulsionar uma alta significativa nos investimentos em infraestrutura seja superada com a introdução de fato do project finance, que permite o financiamento de projetos com base no fluxo de caixa dos mesmos.  “Nossas restrições para que isso aconteça partem da cultura de garantias pelos bancos, e que precisa ser modernizada”, afirmou. Um dos caminhos para isso seria a estruturação de plataformas de garantia junto a instituições multilaterais como Banco Mundial e BID. “Mas não é só. Hoje ficamos longe dos fluxos internacionais de investimentos porque continuamos sofrendo um grau de incerteza macroeconômica significativo, associado a um risco cambial também importante que afeta o planejamento de tomadores de longo prazo, para os quais instrumentos de hedge cambial saem caros, o que reforça a importância de se ajustar o macro”, declarou.

Frischtak também defendeu a adesão do país à OCDE, o que implicaria a adoção de disciplinas importantes como a de combate à corrupção. E, ainda, a recuperação da reputação brasileira no exterior. “Houve uma má compreensão da importância da questão ambiental, da proteção dos direitos humanos também dos povos originários, a importância que isso tem para nosso país e do ponto de vista global. Essa credibilidade precisa ser reconstruída”, afirmou. “Temos um grande potencial para atrair investimento - seja por nossa territorialidade, potencial marítimo enorme agora também para projetos de eólica offshore, potencial de ampliação do consumo da população, mas o que nos defrontamos nos leilões é que quem realmente está presente são os incumbentes. Por sorte, temos bons incumbentes, excelentes empresas investindo aqui. Mas para cobrir essa brecha de R$ 200 bilhões com recursos que não temos precisamos de novos fluxos de capital de fora”, defendeu. “E para isso, entre outros fatores, temos que reconstruir nossa imagem internacional, garantir maior estabilidade macro, e garantir maior normalidade institucional, com menos polarização e maior união de todos os brasileiros pelo bem da cidadania e pela modernização do nosso país.”

Para André Clark, a atração de investimento estrangeiro para suprir as restrições fiscais do país, que já era uma tarefa pendente, tende a se mostrar ainda mais desafiadora no atual contexto externo. “Acabou a era do juro negativo nas economias desenvolvidas. Um mundo inflacionário e em guerra não é bom para o contexto geral das infraestruturas, e agora nossa lição de casa passa a ser mais rigorosa”, afirmou. O executivo da Siemens ressaltou que mesmo com o potencial de negócios observado no Brasil, o país recebe menos de 1% dos cerca de US$ 100 bilhões que são investidos em fundos de infraestrutura no mundo. “Somos quase 3% do PIB mundial, o que mostra uma relação desproporcional”, ilustrou.

Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura de Base (Abdib), defendeu no evento que uma estratégia bem-sucedida de atração de investimento ao país depende de se articular projetos de infraestrutura dentro de uma estratégia nacional que entenda o potencial desse setor para o reforço da estrutura industrial de bens de capital. “Temos três pilares de ação hoje no mundo: a transição energética rumo à economia verde; a reestruturação das cadeias globais de valor; e a questão da segurança energética. Ao meu juízo esse deve ser o pano de fundo para uma estratégia de desenvolvimento, que impulsionaria a indústria nacional”, disse. Mensagem convergente à do economista Rafael Cagnin, do Iedi, em conversa recente para a Conjuntura Econômica, em que defendeu “uma estratégia de política industrial orientada a missões, a objetivos não restritos à indústria”. Para Tadini, “será difícil tratar de aumento de competitividade e inserção competitiva internacional sem uma estratégia de desenvolvimento” - para a qual, defendeu, é importante a volta do Ministério do Planejamento, ligado diretamente à Presidência.

Tadini também defendeu uma reformulação do teto de gastos que exclua os investimentos da regra. “Lamenta-se que a lição de casa da disciplina fiscal foi feita, mas a economia não cresceu. Fica claro que isso não aconteceria, pois faltou investimento. E o investimento público é que é farol para a atração de investimento privado, especialmente em momentos de crise”, disse. O executivo da Abdib também defendeu que o BNDES deve atuar no setor não só como estruturador de projetos, mas com maior papel como braço de financiamento de longo prazo, “com taxas de juros que não sejam pró-cíclicas como vemos hoje com a TLP”.

Julio Ramundo, diretor do departamento de Infraestrutura da Fiesp, destacou no evento a importância de se pensar a estruturação de projetos de infraestrutura também do ponto de vista de inclusão social, em áreas como saúde, educação e mobilidade. “Isso envolve a formatação de parcerias público-privadas (PPPs) com apoio do setor público, eliminando a demonização que alimenta uma dicotomia entre investimento público e privado, buscando uma visão de complementaridade. Especialmente nessas áreas, tão caras ao país, em que o retorno social é maior que o privado.”