Chegada do 5G pode acelerar o crescimento do país, mas há entraves que freiam o processo
A pré-implantação da Internet das Coisas está na etapa que definirá o edital do leilão previsto para agosto, mas há barreiras a serem ultrapassadas.
Ainda que a data esteja próxima, cabe lembrar que já houve o adiamento dessa definição em um ano. Quando se iniciaram os estudos sobre o tema no Brasil, o prazo estipulado para conclusão era no primeiro semestre de 2020.
Desde as primeiras discussões para implementação do 5G no Brasil, a principal mudança e benefícios observados foram a velocidade da rede, que deve ser ampliada drasticamente. Não se trata ainda da implementação do 5G de forma concreta, mas da disponibilização, nas grandes capitais, de uma rede 4G mais rápida. Algumas companhias chamam essa melhoria de 4.5G ou 4G+.
A grande expectativa em torno da rede 5G não se restringe apenas ao expressivo ganho de velocidade, mas também à menor latência –o tempo de processamento das informações do envio as seu recebimento. Além disso, haverá o aumento da capacidade de conexão, de forma que mais dispositivos poderão estar conectados na mesma região, compartilhando a mesma infraestrutura, sem comprometimento da velocidade e latência.
O Brasil adotará o mesmo modelo de licitação de outros países desenvolvidos, como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. O modelo consiste na licitação de espectros para as operadoras, que são as faixas de frequência em que o 5G será adotado.
Em outras palavras, o governo negociará a implementação e a gestão da internet 5G diretamente com as operadoras telefônicas.
Nesta etapa de pré-implementação já houve a aprovação do edital do leilão pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), órgão técnico responsável pela fiscalização e gestão dos contratos de telecomunicações, e aguarda-se a análise do edital pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O prazo legal de 150 dias para análise do edital não deve ser utilizado pelo TCU, que acordou com o Ministério de Comunicações a conclusão, em até 60 dias, da análise. A Anatel deverá avaliar eventuais sugestões do TCU e promover os ajustes que entender necessários. Depois disso, só faltará a publicação do edital para o leilão acontecer.
“A implementação da rede 5G não será imediata após o leilão. As operadoras terão o prazo estipulado no edital para cumprir com as obrigações de instalação das redes e disponibilização dos serviços aos usuários”, explica a advogada Bruna Cunha Costa, sócia do escritório de advocacia MJ Alves e Burle.
A expectativa é de que, no segundo semestre de 2022, algumas capitais já tenham rede 5G disponível para usuários.
“O grande desafio é desenvolver a tecnologia 5G sem acentuar a desigualdade socioeconômica, mas de forma a acelerar o crescimento do país.” – Bruna Cunha Costa
O Brasil está preparado para essa nova tecnologia?
Quando se pensa na preparação do país para receber a rede 5G, também conhecida como Internet Das Coisas (IoT, na sigla em inglês), observamos diferentes dimensões a que essa pergunta pode estar relacionada. “Sem dúvida, o primeiro ponto dessa pergunta está relacionado à implementação do 5G, que pressupõem a instalação da infraestrutura mínima para funcionamento da rede”, diz Ana Carolina Georges e Castro.
Apesar de muito discutido, esse é apenas o aspecto mais imediato a ser observado. “Mesmo com seus desafios e entraves, a instalação da rede 5G não será a principal questão a ser observada no processo de preparação do país para a Internet das Coisas. A maior etapa de preparação será a incorporação da rede pelas indústrias, empresas, Estado e cidadãos em seus modelos de produção, serviço e organização”, reforça Bruna Cunha Costa.
A advogada ainda pontua: “Para que a era da internet das coisas seja uma realidade no Brasil, não basta apenas o sucesso do leilão de frequências e a instalação da infraestrutura adequada para operacionalização do sistema. Será necessário, principalmente, a adaptação dos modelos de negócio e preparação social para pleno aproveitamento de todas as melhorias e facilidades que a rede 5G pretende oferecer”.
A tecnologia 5G pressupõe uma mudança global no modelo de negócios do setor produtivo e de serviços. Essas mudanças, por suas profundidade e complexidade, afetarão a ordem social. Assim, pensar na preparação de um país para o 5G não é um exercício de curto ou médio prazo, mas um desafio de longo prazo. Para desenvolvimento do 5G, as indústrias deverão investir em novos equipamentos que estejam conectados à rede 5G, respondendo com maior velocidade e menor latência; os trabalhadores precisarão de treinamento e conhecimento para operar os novos equipamentos, de forma que haverá a necessidade de qualificação da mão de obra; os consumidores também precisarão estar conectados à rede para acesso e os serviços públicos também deverão se adequar aos novos modelos para não se defasarem.
De forma concreta, o Brasil ainda não está pronto para a receber a tecnologia 5G, mas está se preparando. Não só o Brasil, mas outros 34 países mais desenvolvidos como China, Coreia do Sul, Suíça e Estados Unidos estão em processo de adequação para a implementação da era da internet das coisas.
Não há dúvidas que o Brasil se encontra atualmente em estágio inicial dos esforços que devem ser empreendidos para a plena utilização da tecnologia e está aquém dos avanços já empreendidos nos tigres asiáticos, na Europa e nos Estados Unidos.
Com a expectativa da proximidade do leilão, a preocupação com a celeridade vai cedendo, cada vez mais, espaço para uma discussão mais global – o desafio de desenvolver a tecnologia sem acentuar a desigualdade socioeconômica, de forma a acelerar o crescimento do país e a qualidade de seus produtos e serviços, para atrair investimentos estrangeiros. Nesse processo, será essencial a participação e integração do governo com os entes privados de diferentes setores da economia e com representantes da população.
Aplicações e benefícios para múltiplos setores da economia
Como já destacado, a tecnologia 5G terá aplicação transversal e impactará toda a sociedade e sua forma de organização. Essa mudança não é imediata e uniforme entre os diferentes setores, mas deverá ser gradual e progressiva.
A expectativa é que a implementação do 5G tenha como uma de suas primeiras formas de aplicação na área da saúde. O desenvolvimento da telemedicina, que é a prática da assistência médica com o suporte de tecnologias, seja na interação com os pacientes ou com outros profissionais de saúde.
No que se refere a agricultura, espera-se uma revolução rápida com a completa industrialização do campo e desenvolvimento de polos agrícolas. Já na área de infraestrutura, a aposta inicial é no desenvolvimento de sistemas eficientes e universais de monitoramento e fiscalização para diminuir as burocracias nas autorizações e fiscalizações e melhorar a segurança do transporte de carga, passageiros e condutores.
No setor de entretenimento, espera-se um crescimento vertiginoso da oferta de jogos e eventos em realidade virtual aumentada. No setor de educação, a melhoria da qualidade dos programas de educação à distância, modelo de ensino que é posterior ao 5G, foi universalizado pela pandemia, mas ainda carece de qualidade. No setor produtivo, de forma geral, haverá a informatização de processos e maior uso de equipamentos para eficiência da produção.
“Pensar na preparação de um país para o 5G não é um exercício de curto ou médio prazo, mas um desafio de longo prazo” – Ana Carolina Georges e Castro, advogada do MJ Alves e Burle.
Desafios legais para a implementação do 5G
Um dos principais desafios legais para a implementação do 5G no Brasil está relacionado ao conflito de competências entre os entes federativos, especialmente no que se relaciona à instalação das antenas. Apesar de haver uma lei nacional para disciplinar o tema, Lei 13.116/2015 (“Lei de Antenas”), municípios e Estados adotam legislações próprias e específicas com regras diferentes.
“A alta concentração de antenas é requisito essencial para o correto funcionamento da rede 5G”, pontua Bruna Cunha Costa. A minuta atual do edital de licitação da ANATEL estabelece a obrigatoriedade de implementação da infraestrutura mínima de antenas 5G em todas as 26 capitais e o Distrito Federal até julho de 2022.
Sobre o conflito de competência dos entes federativos para regular o tema das antenas de telecomunicações, o Supremo Tribunal federal (STF) reiterou em julgamento recente, de fevereiro de 2021, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6482, a competência privativa da União para legislar o tema. Em maio de 2020, o tema foi debatido pelo STF na ADI 3.110, que declarou a inconstitucionalidade da Lei do Estado de São Paulo n. 10.995/2001 para reconhecer a competência da União no tema.
Ainda com relações aos desafios legais, outro tema de incerteza e insegurança é a inovação estabelecida na minuta aprovada do edital e na Portaria/MCTI nº 1.924/2021 para instalação de uma rede privativa do Governo para comunicações estratégicas. Ambos os instrumentos tratam de forma muito ampla sobre o tema. A Portaria faz apenas uma referência à rede privativa e determina que o detalhamento das regras será estabelecido em norma específica, a ser editada, com os requisitos de segurança da rede privativa. A minuta de edital trata do tema apenas para estabelecer a fonte de custeio da rede.
Saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores não deve impactar as articulações relacionadas à infraestrutura do 5G
O posicionamento do Brasil com relação à infraestrutura das redes 5G está disposto no edital do leilão. A minuta aprovada pela ANATEL não prevê restrições a qualquer fornecedor. Assim, apesar da relevância política e internacional do tema, os padrões de segurança adotados na rede devem ser aqueles dispostos no edital.
Havia rumores, ao longo de 2019 e 2020, que o Brasil poderia seguir o padrão americano, aderindo à iniciativa global “clean network”, que reúne países e empresas que não permitem a utilização de equipamentos de empresas chinesas, como a Huawei e a ZTE. Em novembro de 2020, após visita do Governo dos EUA ao Brasil, o então ministro Ernesto Araújo chegou a anunciar a adesão do Brasil à rede internacional, que reúne países como os Estados Unidos, Japão e Austrália. Em consulta ao site oficial da iniciativa, constata-se, na data de publicação deste artigo, que o Brasil ainda consta como membro participante.
Apesar disso, a minuta aprovada pelo Anatel não previu restrições para fornecedores, mas a criação de uma rede privativa para o Governo. A diferença entre a rede ampla e a rede do governo será o padrão de segurança. Sob o ponto de vista político, a aparente mudança de posição do Brasil com relação ao padrão de segurança para permitir a instalação de equipamentos chineses não pode ser associada apenas ao ex-chanceler, mas deve ser analisada a partir de uma análise geopolítica ampla em que o resultado das eleições americanas, o agravamento da pandemia e a busca por vacina podem ter impacto direto na definição do tema.
LGPD gera confiança na implementação do 5G
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), antes de ser um risco para o desenvolvimento da tecnologia 5G, é uma resposta ao avanço da rede, que cresce equitativamente em importância e risco. Assim, a LGPD não está em conflito com o 5G, mas pode ser considerado uma resposta regulatória do Estado para o crescimento da rede, uma forma de buscar padrões mínimos de organização e segurança ao modelo que vem sendo aperfeiçoado a cada nova geração da internet, de promoção da migração e interoperabilidade das informações do mundo real para o mundo virtual.
“Acredito que, quanto maior o entendimento e confiança da sociedade na implementação das regras da LGPD, mais rápida será a adesão a nova rede 5G”, argumenta a advogada Ana Carolina Georges e Castro. Isso porque a medida em que os usuários tiverem garantias de que os dados pessoais que circulam na rede estarão seguros e resguardados, maior será o interesse em aderir a todas as funcionalidades ofertadas.
As regras da LGPD aprovadas no Brasil tiveram como referência o modelo implementado pela União Europeia para proteção de dados. Essa legislação ampla da União Europeia é observada por diversos países membros que já adotam a tecnologia 5G, como é o caso da França, Alemanha, Itália e Reino. Assim, no âmbito internacional a experiência de outros países comprova a expectativa do Brasil, de que não há conflito ou risco na implementação de regras de proteção de dados para o desenvolvimento do 5G, mas sim uma complementariedade entre as agendas.