João Pedro Paro Neto: dinheiro em papel já está, de verdade, acabando

O presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro Neto contou à jornalista Sonia Racy sobre as transformações nos meios de pagamento e as perspectivas do setor, após o período mais grave da crise sanitária.

João Pedro Paro NetoPresidente da Mastercard Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro Neto. (Foto: Divulgação)

O presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul, João Pedro Paro Neto contou à jornalista Sonia Racy sobre as transformações nos meios de pagamento e as perspectivas do setor, após o período mais grave da crise sanitária. 

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João Pedro afirmou que 60% do consumo das famílias brasileiras ocorrem por meio dos meios de pagamento oferecidos pela Mastercard. O executivo disse ainda que tem o objetivo de incluir um bilhão de usuários no mercado de cartões e que as ocorrências fraudes caíram a um terço, se comparado ao início da pandemia, em razão dos investimentos em segurança. Confira a entrevista completa:  

Vou começar justamente pela pandemia. Qual foi a revolução que a MasterCard fez nesta pandemia?

Sonia, sabe que tem sido muito bom no que tange aos pagamentos. Por que isso? Primeiro porque as pessoas tinham que fazer pagamentos, e como não tinham a proximidade física, a presença física, tiveram que se adaptar a pagamentos não presenciais que a gente chama, né. Então isso foi uma evolução muito importante para nós. Nós já tínhamos preparado para isso. Então você conseguia fazer pagamento por aproximação, lembra, o cartão por aproximação, você já conseguia comprar na internet, você já tinha outros mecanismos de pagamento que não o dinheiro físico, que não sua presença física na loja. Isso só acelerou durante a pandemia. Esses números só se multiplicaram, duas, três, quatro, cinco vezes, porque os pagamentos foram muito importantes nessa forma. E se você se lembra, lá no começo da pandemia, vários artigos saíram “olha, o dinheiro físico também é uma forma de contágio, é uma forma de contaminação, vamos ficar distante de tudo, etc., etc., e tal”, e o estudo nos ajudou bastante. Nos ajudou a permitir com que a gente pudesse fazer melhor os nossos pagamentos. A evolução, para você ter uma ideia no ano passado: a indústria, o país perderam o PIB, né? E nós crescemos. Crescemos 12%. Como indústria nós crescemos 12% no Brasil. Então foi muito importante. Quando eu olho para o mundo, você depende das transações que nós chamamos de cross border, as viagens entre países. Isso foi congelado, isso acabou, veio à zero. Então os pagamentos ficaram restritos a cada um dos diferentes países. Alguns países cresceram muito mais do que outros e assim por diante. O Brasil foi um dos que mais se destacou durante a pandemia nos nossos números.

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Vocês tiveram que mexer no sistema para abrigar esse volume maior?

Eu diria não mexer, mas fazer com que o sistema estivesse mais pronto para essas funções que nós já tínhamos disponíveis. Então, como te falei, o pagamento por aproximação, pagamentos não presenciais... Tudo isso foi muito acelerado. E entraram as tecnologias de prevenção à fraude no mundo da internet. Então, se você se lembra, lá atrás antes da pandemia as fraudes na internet eram muito violentas, muito altas. Eram altas porque os mecanismos não estavam implantados. E durante esse período, até antes da pandemia um pouco, nós estávamos no processo de implantação destas novas tecnologias. Do que eu estou falando: ‘tokenização’, autenticação, são formas diferentes. Para ser simples aqui para você entender, quando você faz um pagamento físico, que você coloca o seu cartão fisicamente na maquininha, tem um chip. Da maquininha para ir para a MasterCard, para ir ao banco, para o emissor onde você tem o seu cartão, todos estes números são randômicos, não tem o número do seu cartão, nada disso funciona na internet. Por isso não tem fraude. As fraudes são praticamente zero.

Não existe fraude?

Não é que não existe, é praticamente zero. Porque eu posso pegar o seu cartão, pegar a sua senha, e eu vou conseguir fazer uma transação.

Mas aí é quase como se fosse eu mesma...

Exatamente. Roubando dado no meio da rede não tem. Isso não existe. Então esse é um jeito. Na internet não era assim, lembra? Você tinha que digitar seus dados, por seus números, suas informações, lembra a história do cartão virtual? Não tinha. Não tinha nada disso. Havia um espaço de fraqueza nessa forma de pagamento. Foi tudo superado, então hoje tudo isso passou [a ser] diferente. O próprio Facebook Pay, hoje, paga com reconhecimento facial. Não tem informação nenhuma.

Como é o Facebook Pay?

Ele é muito simples, SONIA, muito simples. Por que na verdade ele foi feito? 55% das pessoas nas pesquisas diziam ‘eu quero pagar através de mídia social’. As pessoas dizem isso. Isso está para todos os lados, e nós começamos essa experiência aqui no Brasil, foi o primeiro país que nós começamos essa experiência por conta desse resultado, e a gente de verdade percebeu que ele foi muito importante e se adapta muito bem à realidade nossa. Porque ele é muito simples como experiencia de consumidor ele é muito simples: eu estou conversando com você no WhatsApp, vou em uma função, aperto, coloco pagamento e mando o dinheiro para você e acabou, tá feito, tão simples assim. Você coloca seu rosto para fazer a identificação e está feito o pagamento. Então é uma transação 100% ‘tokenizada’ que a gente chama. Não passa dado nenhum.

E o WhatsApp?

O WhatsApp e o Facebook são a mesma coisa, a gente chama de Facebook Pay mas, na verdade, é o WhatsApp. É a forma de pagamento. Outras existirão, porque outras formas também nascem com esse conceito. A gente sabe que serão evoluídos.

Com essa evolução que nós estamos vivendo da tecnologia, com uma rapidez tão grande, tem gente falando que o cartão de plástico vai acabar. É isso?

Sonia, eu tenho um pensamento muito simples: eu não acredito que nada vai acabar e que sempre vai existir uma aplicação pra ele. Eu posso te dar alguns exemplos pra você entender o que eu estou falando. Mas, acabar, não. Ele vai ser muito menos utilizado, isso eu acredito.

Ele pode ser virtual, mas ainda concentrar uma bandeira?

Sim, pode ser pelos seus diferentes equipamentos que você carrega. Pelo seu relógio, sua pulseira, seu celular, seu anel, pode ser em outras formas, né. Você pode ter o cartão como você falou, virtual, enfim. Você tem outras modalidades. A mídia plástica, como a gente chama, é uma das formas. Ela não é a forma.

As criptomoedas, como elas influenciam no pagamento do cartão de crédito?

Elas se somam. Porque ao final do dia nós, como empresa, possibilitamos em nossa rede várias moedas como forma de pagamento. Temos aproximadamente setenta moedas hoje. Então se você colocar mais uma, mais duas, mais ‘n’, não vai mudar nada para nós. Então vai ser mais uma forma de pagamento. No dia em que ela for regulada, autorizada pelo Banco Central e virar uma moeda oficial do país, com certeza nós vamos aceitar e vai fazer parte da nossa forma de pagamento. Porque a gente pensa assim, nós somos uma empresa regulada. Então pra eu poder ter uma moeda e aceitar um pagamento, eu tenho que ter uma autorização oficial.

Por que que os bancos centrais estão demorando tanto para regular as criptomoedas?

Eu não diria demorando, Sonia, é uma coisa que eles precisam aprender mais. Eu diria que, para você ter uma ideia, nossa indústria de cartões é uma indústria de cinquenta anos e ela foi regulada tem dez. Então não tem muito tempo que fomos regulados. Eu acho que precisa aprender, você precisa conhecer mais. Eu acho que a própria história do Open Banking, que é um assunto novo, esse assunto é da década de 90. Os Estados Unidos foi o primeiro país a trabalhar com Open Banking. A Europa intensificou nos anos 2000, 2010, por aí.

Explica para o telespectador o que é o Open Banking, o ‘banco aberto’.

O Open Banking, Sonia, é muito simples de a gente entender. A gente diz que é o empoderamento de nós, consumidores. Porque você vai poder ter a possibilidade de ter as suas informações disponibilizadas para quem você quer. Então vamos imaginar um exemplo: você quer fazer um crédito imobiliário, quer comprar a sua casa, e você tem conta em um determinado estabelecimento bancário e quer consultar outros dois, três. Aquele estabelecimento onde você ter informação ele vai ter toda a condição de te dar uma taxa de crédito melhor, porque eu conheço a SONIA e vou cobrar 1% lá. Os outros não sabem nada de você. O Open Banking vai possibilitar que eles fiquem sabendo, também. Então ao invés de você ter uma cotação você vai ter três cotações.

Mas estes dados ficam registrados com o Banco Central?

Depende do que você quiser. Não é o Banco Central, essa informação flui entre os bancos e a decisão é sua. O empoderamento é teu. Você decide o que você quer.

Mas por que que eu, banco, vou disponibilizar todas as informações que eu tenho para um concorrente?

Não é que você vai disponibilizar, e aí que eu acho que está a beleza do mercado. O mercado é bom quando ele é competitivo, quando ele é aberto ele permite competição. Então não é nada justo você como uma entidade ter todas as informações e ser dono daquelas informações e poder lhe prover as melhores condições. Aí não te dá opção de você escolher uma segunda se você quiser.

Acho que isso para o consumidor é maravilhoso.

Exatamente, e o banco é obrigado a fazer. Por que, senão, é claro que não faria, né. Hoje, isso possibilita uma democratização das informações, dos dados, dos modelos.

Vamos dizer que eu tenha conta no banco A, e quero fazer uma transação no banco B. É só eu falar para o banco A ‘olha, libera meus dados para o banco B’?

É simples assim.

E quanto tempo vai levar? Três meses?

Não, tudo isso tem os padrões definidos pelas regras. Tudo vai fluir numa rede de transferência. Nós compramos uma empresa que se chama Finist, que é a maior operadora de Open Banking dos Estados Unidos, e ela faz exatamente esse tipo de trabalho que você está falando: ela passa a informação de um lado para o outro, que é o consentir. Essa palavra vai ficar cada vez mais na moda agora, nós, pessoas físicas, temos que consentir. Nós vamos consentir que você use a informação de um banco para passar para o outro. Então é isso, a função das empresas, elas proverão esses serviços, e a gente quer prover esse serviço também desta maneira.

Me mata uma curiosidade: estas empresas, esta que a MasterCard acabou de comprar, como ela lucra?

Quando você faz estas transações, na verdade, você está passando informação de um para o outro. Então tem as compensações de quem recebe, quem passa, um vai cobrar do outro. Tem cobrança, remunerações. Não é necessariamente cobrado do consumidor, pode ser de quem está necessitando da informação. Os modelos são abertos, cada modelo vai ter a sua forma. Não é um modelo único que vai funcionar. Não é que vai pagar ou não vai pagar, vamos imaginar a taxa: você teria uma taxa 10, 11 e 12. Se você não tivesse isso talvez você tivesse 10, 15 e 20, entendeu? Você não teria o 10, você ganhou, na verdade você não vai perder porque na verdade você terá uma competição.

Eu, cliente, não perco?

Tenho certeza que não. Vou te dar como exemplo o mercado de cartões. Quando nós abrimos o mercado de cartões em 2010, nós tínhamos dois adquirentes, hoje nós temos vários. Nós tínhamos um volume de aceitação muito pequeno, a participação de pagamentos do consumo da família brasileira perto de 20% e hoje é quase 60%. O que aconteceu com isso? Se proliferou por todas as partes, essa conveniência está disponível e as taxas cobradas entre estabelecimentos e todo mundo só cai. Se você vê a série histórica ela é declinante o tempo todo porque você tem competição. Então tudo o que a gente tem competição, com certeza, a gente ganha como consumidor e o mercado como um todo. Porque a gente cresce, né? Você tem capacidade de investir, todo mundo vê o mercado muito maior, a quantidade de estabelecimentos comerciais cresceu absurdamente, você hoje aceita cartão em toda parte, coisas que não eram verdade no passado. Então a abertura de mercado propicia isso. O Banco Central fez isso com as fintechs. Nós fomos os primeiros. Nós somos líderes absolutos nesse segmento. Pega o Nubank, foi a primeira de todas, é supergigante, nós trabalhamos com eles desde o início, ajudamos parte desse conjunto. Por que isso? Porque era uma necessidade de criar uma competição. Se você olhar para o mercado de cartões como um todo, o exemplo da competição está declarado, demonstrado na prática o benefício. Hoje você tem opções, antes você estaria restrito a quatro, cinco; hoje você está restrito a ‘n’ e você tem opções do jeito que você quiser. ‘Ah, mas eu quero ser mais digital, menos digital, quero um banco que me dá isso, que me dá aquilo’. Você tem opções.

Sabe o que é interessante? Esses bancos digitais entraram no mercado sem regulação, não é?

Era uma regulação mais leve.

E agora, estão ficando grandes, estão sendo regulados. Será que isso vai acontecer com as criptomoedas?

Sonia, o que acontece hoje e é interessante observar isso. Você tem dois tipos de empresas que fazem pagamentos: as empresas que são os bancos, têm toda a regulação bancária etc. e tal, eles têm por exemplo o cartão de débito, tem todo esse mundo, e você tem o outro lado que são as instituições de pagamento. Então, por exemplo, eu não tenho um cartão de débito. Ele é um cartão pré-pago com a função débito. É uma outra função. Você pega estas carteiras digitais, elas usam um cartão pré-pago com função de débito. Então você tem um conjunto enorme de empresas nesse segmento. Então o resultado para nós consumidores é exatamente o mesmo, tecnicamente são coisas diferentes, e as regulações não são as mesmas. O que o Banco Central faz e a gente acompanha isso é que ele vai aprimorando as regulações. Então ele criou no sistema bancário o que ele chama lá de S1, S2, S3, que na verdade é uma segmentação do porte dos bancos para se aderir a determinadas regulações, ser mais ou menos intensa a regulação. Do lado das instituições de pagamento é uma regulação mais jovem, mas com certeza caminhará para o mesmo lado porque faz todo o sentido.

A impressão que eu tenho é que os bancos centrais deixam o mercado crescer um pouco para depois regular e olhar como funciona.

Sim, é mais fácil, né Sonia, porque você vai ter a realidade. É muito difícil você criar do nada e falar vai ser assim, assim, assado, e tá tudo certinho. Então eles criam em etapas e isso é bastante claro.

João Pedro, vocês fazem pesquisas, vocês têm pesquisas que as pessoas consomem, pagam mais com cartão, menos com cartão, e isso é uma ferramenta bastante interessante. Tem alguns dados que você pode nos dar de consumo nesta pandemia, como isso mudou?

Claro. Vou te dar várias informações, é legal isso. Primeiro como a gente acompanha... Como a gente mede a nossa indústria? Lembra que eu comentei com você que o nosso objetivo é acabar com o dinheiro. É a nossa meta número 1.

Já faz tempo que vocês estão tentando...

Já conseguimos muito. Vou te dar o número e você vai ver o quanto conseguimos avançar. Quando nós começamos a falar sobre isso aqui no mercado brasileiro, vou usar o Brasil de exemplo e depois podemos comentar o mundo se você quiser também. A gente tinha, mais ou menos, 20% de participação do consumo da família. Hoje a gente está chegando a 60%. Então, 60% do consumo da família hoje está sendo pago através os nossos meios de pagamento, cartão de crédito, débito e pré-pago. Esse é o primeiro ponto. Segunda informação: se eu adicionar a isso boleto, que também é uma forma eletrônica, o PIX, que também é uma forma eletrônica, a gente já está lá com a casa de 70 e tanto, 80%.

E o dinheiro já está morrendo, né?

O dinheiro já está, de verdade, acabando. Essa trajetória é evidente. Eu me lembro, há uns cinco, quatro anos atrás, quando foi comentado na imprensa na época ‘ah, o dinheiro agora ficou menor que o cartão’. Foi quando nós cruzamos, um cruzou o outro, nós começamos a passar mais e o dinheiro ficou menor. Nós estávamos na casa dos 40 e pouco por cento, mais ou menos. Então, isso hoje é uma realidade, é um ponto. Dois, quando eu olho para as formas de pagar. Por que isso é verdade? Porque a quantidade de pagamentos, também, porque o dinheiro ganha na quantidade e não no volume. Por quê? Porque as pessoas ainda pensam que pagar R$ 5, R$ 1, R$ 10, é mais fácil entregar o dinheiro do que você passar um cartão, ou seu celular ou qualquer coisa, ou o WhatsApp que a gente falou aí, alguma forma. Então isso agora está avançando porque nós criamos toda essa inclusão financeira. A MasterCard assumiu um compromisso global de incluir 1 bilhão de pessoas... 500 milhões de pessoas, agora nós completamos os 500 milhões e assumimos mais 500 até 2024. Então a gente quer incluir 1 bilhão de pessoas desde quando nós começamos essa trajetória em 2015.

No Rio, os que vendem queijo, mate, todos aceitando cartão.

Essa que é a ideia. Isso que é inclusão. Então aí nós criamos aqui as empresas, os adquirentes, né. PagSeguro, Cielo, Rede, todos eles, eles criaram as suas contas digitais, também. Eles têm os cartões, hoje, para o comércio. Então na verdade ele pagava o comércio através de uma conta de pagamento e isso voltava a circular na indústria, no sistema. Então isso fez crescer absurdamente. Aí você olha a aproximação, por exemplo, a gente era nada aqui no Brasil, e já estamos perto de 30% dos pagamentos feitos por aproximação, que era zero. Para você ter ideia, no Chile, que começou uns dois anos antes que o Brasil, mês passado 85% dos pagamentos foram por aproximação.

Estados Unidos?

Estados Unidos é muito menos. Eles têm algumas curiosidades lá.

O sistema financeiro não é tão avançado quanto o daqui, né?

Eles não são tão acelerados quanto a gente. Mas você pega mais os países nórdicos, que você tem um monte de países com 95%, 98%, 99%, a Austrália também, a Europa em vários lugares. Então, onde tem mais é na Europa, Austrália, Ásia. Nos Estados Unidos é menos, tem uns 40%.

Já na China não deve ter dinheiro mais?

A China tem muitos pagamentos por meio de mídia social, que é o LPay, WeChat, essas coisas que eles têm lá, que o governo lá agora fez uma mudança importante e por isso que hoje se fala menos. Porque o governo disse para eles ‘tudo bem, você tem o seu mundo, você faz tudo, mas eu quero que vocês se conversem’, que é a interoperabilidade. Aí criou uma dificuldade para eles e eles tiveram que pedir suporte para nós porque eles não sabem fazer isso. Uma coisa, SONIA, é quando você faz um pagamento dentro do seu ambiente. Então imagina você que diz que você tem conta lá no Itaú e você está dentro da conta do Itaú você manda e transfere dinheiro, você manda você, manda para o outro, todo mundo ali dentro do Itaú você faz o que você quer. Do Itaú para o Itaú. O Itaú define, você faz as regras e acabou, bem simples. Mas quando o Itaú falar com o Bradesco, ‘ó, pera aí, como é que a gente faz?’. Já não é tão simples. Já tem que ter regras. Então isso que é interoperabilidade. Na China, eram mundos independentes. Aí o governo falou ‘não, quero que vocês se conversem’. E aí, agora, eles estão lá meio estrangulados para fazer a conversa, porque não é simples.

Na China havia um problema grande que com os anos foi minimizando, mas, era uma caixa preta sem janelinha...

É um país com um modelo diferente, né. Eles têm todo o jeito deles lá, e eu concordo com você, eles têm várias características e se você fica se alimentando de números, obviamente, eles são bilhões e eles vão ter sempre número importantes, relevantes.

Eu quero te fazer uma pergunta, sei que não é sua área, mas, enfim, uma curiosidade que me veio à cabeça. A Casa da Moeda brasileira está para ser privatizada a não sei quantos anos. Não vai valer mais nada daqui a pouco, não é?

Mas tem outros tipos de impressão que não só o papel moeda, né. Porque tem outras coisas que são feitas, você precisa de outros tipos de documento. Pega o passaporte, por exemplo, você tem outros tipos de documentos oficiais necessários que você precisa de uma casa da moeda. É um outro business, mas existe a necessidade. Eu, na minha opinião, o papel vai desaparecer. Porque você tem outras... Hoje mesmo a gente, com a pandemia, assinamos contratos eletrônicos. Se você falasse antes da pandemia ‘vamos assinar um contrato 100% eletrônico’, você não vai passar o contrato aqui para eu assinar fisicamente, as pessoas iam falar que você era louco, que isso não vai funcionar. Hoje em dia eu não me lembro de assinar contrato fisicamente mais, é muito raro. E se é pedido para você é por algum problema operacional de quem está pedindo para você assinar, porque na verdade você faz tudo eletrônico. Então o documento também vai ser tudo eletrônico. Você vê, o próprio Brasil está avançando. Hoje você tem carteira de motorista, tudo digital, né. Daqui a pouco não vai ter mais isso. O grande problema para frente, se você parar para pensar, é como você vai proteger tudo isso. Porque ao final do dia você tem no seu celular, por exemplo, tudo que é seu, e hoje em dia você sabe que se a pessoa pega o seu celular...

Mas foi o que eu pensei quando você estava falando. Pensei assim ‘meu Deus, não penso nem em roubo, mas, se eu perco meu celular’...

Como é que você vai fazer?

Será que nós vamos ser chipados?

Eu acredito que sim. Faz todo o sentido a gente ter um chip porque é mais fácil. É mais fácil você estar, de alguma maneira, sua vida fica mais simples porque tudo gira em torno de um chip. E isso, SONIA, é bacana de ver a evolução porque a inteligência artificial está nos permitindo aprender cada vez mais usar os dados. Por isso a gente tem cada vez mais capacidade hoje de melhor prever fraudes, melhor prever a sua vontade de fazer seus negócios, oferecer melhores experiências, então a inteligência artificial chegou de uma maneira diferente. A informação passa a ser relevante, por isso a gente falou de consentir. Você tem toda a sua informação, então você vai me consentir a sua informação para eu poder te entregar mais. Porque não é legal você estar viajando, chegou lá na Espanha, fala ‘SONIA, tem esse restaurante aqui, tem esse prato aqui, uma oferta especial pra você lá’. Você fala ‘pô, como é que você sabe que eu estou aqui?’. Vai te agradar muito mais, concorda? Você fala ‘poxa, resolveu meu problema aqui, tá reservado’, você chega lá, diz que a SONIA chegou e acabou. Então, se você parar para pensar, a capacidade que nós temos hoje é de fazer isso. A gente falava em marketing-one-one há muito tempo, mas era uma falácia. A máquina não tinha informação suficiente para processar, porque hoje são trilhões de informações.

Se você fizesse uma análise... A MasterCard está no mundo inteiro. Tem algum país que é mais avançado nesse sistema? E qual seria o mais, vamos dizer, dificultoso?

É difícil eu te falar isso, eu te diria que todos andam. Eu acho que o que muda é a velocidade. Não é que é mais ou menos dificultoso, eu acho que há países que tem regulações mais abrangentes, menos abrangentes, são países em que o povo adere mais, a população adere mais às formas diferentes de pagar, tem países que aderem menos, é mais lento; tem países que tem mais tecnologia disponível ou menos. Então, você tem uma variedade muito grande, por isso que quando a gente fala assim...

Brasil?

O Brasil está bastante bem. A gente é um dos que sempre está na liderança. Qualquer indicador que você olhar o Brasil vai estar sempre lá em cima, entre os primeiros, sempre, nossa indústria de pagamento... Nunca deixamos de perder o topo. Nunca deixamos.

Engraçado, é uma coisa que pouco se fala, né, nosso sistema financeiro é muito robusto, muito regulado, muito consistente, e acho que porque tivemos aquela crise, né?

Aprendemos na crise.

Os americanos aprenderam depois, que foi na crise de 2008, né?

Foi depois que a nossa. Eles prenderam em cima da nossa. E nós tivemos um fato anterior também que nos ajudou muito que foi a inflação muito alta. Então o sistema brasileiro ele foi montado ao redor de elementos que necessitavam de tecnologia. Então isso propiciou chegar aonde nós estamos. É muito bacana de ver.

João Pedro, eu me perdi no bloco anterior e nós não continuamos a conversa sobre consumo, como é que o consumo mudou nessa pandemia. O que você poderia me dizer em relação a isso?

Vou te contar algumas coisas. Vamos começar, por exemplo, pelo que foi mais afetado: foi restaurantes, né? As pessoas, lembra, no começo, ninguém podia sair de casa. Então, restaurante, todos eles passaram. Ou vem de delivery, ou fecha, né, no sentido de não ter o que fazer. Então o consumo foi lá pra baixo, caiu um volume absurdo. Quando eu olhos os números hoje, eles são valores em reais maiores do que eles eram antes da pandemia no total.

Mas isso é muito incrível. Com esses limites, agora São Paulo já liberou, mas com limite de horário e tudo?

Com tudo isso, o volume aumentou, está maior. As pessoas foram se distribuindo de alguma maneira. Eu estou olhando o total, né, outras formas de restaurante existem, então o total está maior. Segundo: eu olho, por exemplo, material de construção. Sempre cresceu, desde o começo. Agora é que está tendo uma curva mais estável, vamos chamar assim. Então você vê uma oscilação hoje mais para uma estabilidade, com um pequeno aumento, mas não como era antes. O mercado vem sempre crescendo de uma maneira consistente. Gasolina uma queda importante, oscilações grandes durante o período e, agora, parece que está recuperando os números de antes da pandemia. Se você pegar, por exemplo, drogarias, farmácias: também teve uma queda importante no início e depois voltou muito mais cedo que restaurantes, por exemplo, e hoje está bem.

Mas quê explicação tem? Eu estou doente e não tomo o meu remédio?

Lembra que drogaria, entre aspas, ela não é só remédio, né? Lembra que eles têm toda aquela parte de não-remédios que também é importante no faturamento deles. Quando você olha por exemplo viagens, veio à zero. Eu sou presidente da ABEMF, que é a Associação Brasileira de Fidelidade, e no segundo trimestre do ano passado, resgates de pontos para companhia aérea foi zero. Zero, zero, nenhum. Não tinha nada pois não se sabia nada. Então as pessoas foram resgatar outras coisas, bens de consumo, que você precisa, copo, desconto em restaurante, desconto aqui, desconto ali, cashback, foram para outros caminhos. Então quando você olha isso, o comportamento do consumidor qual foi se você observar isso? O que eu tenho disponível? Você percebe que é onde os movimentos acompanharam. Por isso que eu falei para você que o nosso volume, no ano passado, nós crescemos 12% como indústria no Brasil. Foi muito importante para um país que cresceu negativo 5% praticamente, crescer 12% é bacana. E a gente olhar para os números e olhar para o comportamento do consumidor é: ele foi sim procurar essas coisas e a gente vê nos números.

Agora internet, pagamento por internet, deve ter aumentado barbaramente. Eu queria perguntar: todo mundo já tem confiança de colocar o cartão na internet, como é que funciona?

Eu tenho uma pesquisa que se chama New Payment Index, da MasterCard, que eu faço isso com periodicidade grande. E ela me apontou que 77% das pessoas fizeram mais de uma forma de pagamento, experimentaram outras formas de pagamento neste período.

Qual?

Pode ser na internet, como você falou. Eu só estou acostumado a comprar com meu cartão lá na loja. Passei a comprar na internet...

E a internet é segura?

Hoje? Eu te diria que totalmente. Porque hoje, os mecanismos que eu expliquei para você anteriormente estão funcionando, você faz uma transação ‘tokenizada’ e tal. Nós estamos para lançar agora, Sonia, um negócio que chama click-to-pay. O que é isso? Você vai ter um botãozinho na página em que você está comprando e você vai apertar o botãozinho e ele vai te mostrar as opções de cartão que você tem para poder pagar. Você decide e está feito o pagamento. Você não vai fazer nada. Os pagamentos caminham nessa direção, que é simplificar ao máximo. Então o pagamento por internet tem segurança? Tem. Porque está ‘tokenizado’, já estão todos autenticados, então há todo um modelo diferente de pagamento com seus dados.

Então vocês estão criando os caminhos, as formas, são trilhas. Como é funciona?

Você usou um termo que a gente adora usar, que é o multiway, que na verdade são formas diferentes de fazer pagamento. Você não tem só uma forma. Por exemplo, você quer fazer um pagamento de cartões, crédito, débito e pré-pago; você quer fazer um pagamento de conta para conta, nós também temos a possibilidade; você quer fazer um pagamento instantâneo de pessoa para pessoa, nós também temos essa possibilidade; enfim, hoje você tem diferentes formas de pagar porque o mercado brasileiro te oferece hoje, você não paga só de um jeito, você faz um boleto, é uma forma de pagar, você faz um DOC ou um TED é uma forma de pagar, você faz um PIX é uma forma de pagar. Isso que a gente imagina o futuro, são essas formas de pagar todas que existem nos diferentes mercados integradas. É a MasterCard, para você ter uma ideia, é a única empresa do mundo que opera essas formas todas diferentes, além dos cartões, em 40 países. Então nós fazemos isso em muitos lugares. Temos muitas experiências.

A inadimplência cresceu muito com a pandemia?

Não, ao contrário. Ela, historicamente, está no menor patamar. Acho que as pessoas tiveram mais consciência e eu acho isso muito importante. O Brasil sempre foi um país muito de crédito, e durante a pandemia o débito tomou um corpo muito maior, muito porque houve os programas de incentivo, que foram todos distribuídos dinheiro em forma de débito, então as pessoas passaram o débito e ele ficou mais importante que o crédito no ano passado. Quando eu olho os números de 2020, débito maior que crédito, pouquinho maior, mas foi maior. E aqui sempre foi o mercado de mais ou menos dois terços, um terço: dois terços crédito e um terço débito, e o ano passado nós ficamos um pouquinho mais de débito do que crédito, mais na metade. E a gente está voltando agora ao crédito. Então teve um primeiro ponto para te dizer, as pessoas usaram menos o crédito, é um primeiro ponto comparativo. Por diferentes razões. Segundo ponto: os modelos, por conta de tecnologia, por conta de learning machine, evoluíram muito. Hoje as capacidades dos emissores para tomarem melhores condições de crédito estão cada vez melhores, e decisões de crédito rápidas e eficientes. Então isso é uma evolução importante. Nós, MasterCard, compramos empresas como a Ekata, especializada nisso, para ajudar os nossos emissores. Então você pega os emissores e consegue dar crédito de uma maneira muito mais simples hoje do que era no passado, te perguntando muito menos e te oferecendo muito mais.

Mas dinheiro ainda não estão oferecendo...

Não! O Open Banking vai facilitar ainda mais. Mas eu acho que esse é o caminho nosso. Acho que o mercado vai ter essas possibilidades de pagamento, elas vão interagir, eu acho que isso é bacana e o consumidor vai ganhar. Porque a experiência do consumidor é a palavra-chave, Sonia. Eu acho que você quer fazer um pagamento simples, sem pressão, sem atrito, sem confusão, é o que você quer, que é a simplicidade. E você quer fazer o pagamento à sua conveniência. Então eu acho que a gente está nesse caminho.

O governo brasileiro, aliás, o Banco Central é o regulador dos cartões de crédito. Existe alguma coisa que eles poderiam fazer a mais do que já fazem pelo sistema?

Onde nós estamos trabalhando hoje? Nós trabalhamos no ano passado para poder lançar o Facebook Pay, que é o WhatsApp, né, houve um trabalho do Banco Central. Foi criado uma função de iniciador de pagamento, que é uma função que não existia. Porque quando você faz uma transferência no WhatsApp, desculpe o “techniquês” aqui, você está transferindo de um cartão para outro cartão, certo? Eu entrei no WhatsApp e mandei um dinheiro para você. Eu tô aqui no meu cartão falando ‘João Pedro, ó, meu cartão, tira R$ 10 e manda para a Sonia’. Quando eu faço essa transação, o cartão não é assim que funciona, o cartão é você chega no comércio e ‘quanto você comprou aqui? Ah, R$ 10’. Aí você digita R$ 10 e você põe o seu cartão. Não é você Sonia que coloca R$ 10 na conta do comércio, é ao contrário: o comércio pergunta por R$ 10 e você paga. No Facebook Pay por isso criamos a função de iniciador de pagamento, foi desenvolvido isso agora, foi regulado bonitinho, e hoje nós temos essa figura também. Agora nós estamos discutindo a interoperabilidade das carteiras digitais, PicPay, Ame, enfim. Todas essas diferentes carteiras digitais que a gente conhece aí, né, PagSeguro, enfim, toda essa turma. Qual que é o caminho hoje? Fazer com que eles se conversem e estejam dentro do sistema. Porque hoje eles estão dentro do sistema e dentro de alguns ambientes mais que a gente chama de ambientes fechados, então a gente quer tudo isso aberto.

E isso reflete no consumidor?

Reflete no sentido de que tudo o que o consumidor vai fazer vai na linha do que eu te comentei anteriormente: ele pode fazer o que você quiser, por sua conveniência, e tudo vai funcionar integrado. Quando você faz algum ambiente que não está integrado, pode ficar só restrito a àquele ambiente e você não consegue cancelar, não consegue mudar, não consegue trocar. Isso é inconveniência para nós.

Eu só queria deixar um pouco mais claro. As fraudes no cartão de crédito, as fraudes em transferências de dinheiro, você disse que quase desapareceram. Agora, como confiar nisso se você vê um caso de invasão recente, agora, das Lojas Renner. O ser humano ficar na mão da tecnologia não é uma coisa um pouco perigosa?

Sonia, como eu estou no mundo da tecnologia, eu diria para você que sim e não. Porque obviamente hoje existem os mecanismos de proteção. Eu acho que nós, empresas, temos a responsabilidade de, se temos dados, de nos proteger da melhor maneira possível para entregar ao consumidor a segurança que ele precisa. Por exemplo, nós, MasterCard, compramos uma empresa chamada RiskRecon. Essa empresa transita dentro do seu ambiente e diz tem fragilidade aqui, aqui e aqui, precisamos corrigir destas formas. Então existe isso hoje. Então as empresas todas hoje estão preocupadas com isso. Essa história, se você se lembra, começou com o Target nos Estados Unidos, há alguns anos, e foi o primeiro grande problema. E na verdade a pessoa invade o seu ambiente não é entrando no seu ambiente, ela pode invadir de diferentes formas. No exemplo da Target, ele entrou por um provedor de serviço que tinha uma conexão com eles, instalou um robozinho dentro da Target, ficou um ano explorando dados, e depois ele mostrou a fraude, ele construiu. Por isso as proteções são importantes. E não é uma proteção no seu ambiente, tem que se proteger em todos os ambientes a qual você navega. A conexão gera esse trabalho. Os mecanismos de proteção evoluíram muito, obviamente os fraudadores também evoluem porque eles também querem buscar buracos nos processos, mas eu te diria que hoje a gente está muito mais protegido. As fraudes na internet caíram a um terço do que era antes da pandemia para você ter uma ideia, porque os mecanismos estão funcionando e se mostram eficientes. Quando tem fraude, se você for olhar, é porque o ambiente não está adequado, ele não implantou todas as tecnologias, tá faltando isso, tá faltando aquilo. Ou seja, ele está exposto de alguma maneira. Então acho que esse é o grande tema hoje.

A empresa decide arriscar, acha que conhece...

Ou não entende, acha que está bom, é muito particular de cada um e as decisões são muito individualizadas. Nós da MasterCard sofremos milhares de ataques por dia. Você tem que se defender o tempo todo porque a gente é uma rede conectada mundialmente. E os ataques à fraude, há pouco tempo, eram muito localizados, você tinha que ir em um ambiente, mudava poucos metros, quilômetros de distância. Hoje é global, dá um pingo aqui no Brasil, dá um pingo lá na Ásia, dá um pingo lá na América do Norte, dá um pingo lá na Europa, e aí você vai e daqui a pouco está pingando para todos os lados aquele tipo de fraude. Então ela anda muito rápido. Nós temos ferramentas implantadas na nossa rede que protege a informação, eu dou a informação para o emissor e em milésimos de segundo se aquilo é uma transação que aparenta ter fraude ou não. Ele também agrega todas as camadas de proteção que ele tem e toma a melhor decisão. Isso faz com que a gente tenha fraude quase que zero.