Novas estimativas reacendem debate sobre impacto da redução da jornada de trabalho
Segundo o estudo, a elevação de custos da mão de obra para as empresas comprometeria a competitividade e estimularia o aumento da informalidade.
José Pastore, professor da FEA-USP especialista em mercado de trabalho, analisa redução de horas de trabalho no Brasil. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
Na semana passada, a divulgação de um estudo produzido pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) reacendeu o debate em torno das propostas de redução da jornada laboral, que podem por fim à atual escala de seis dias de trabalho com um de descanso (6x1) prevista em lei.
Atualmente, há no Congresso três projetos de emenda constitucional que preveem redução da jornada das atuais 44 horas para 36 horas, com diferentes ritmos de adoção: PECs 148/2015; 221/2019 e 8/2025. Há ainda uma proposta (PEC 4/2025) que defende redução para 40 horas.
O estudo da Fiemg aponta que, no Brasil, aproximadamente 64% da população empregada no mercado formal possui jornada entre 41 a 44 horas semanais. Em setores intensivos em mão de obra como comércio, construção civil e indústria da transformação, esse percentual supera os 90%. No estudo, estima-se que reduzir a jornada no Brasil a 36 horas semanais sem que haja ganhos de produtividade para compensar esse corte poderia implicar uma perda de PIB de 16%.
A elevação de custos da mão de obra para as empresas, aponta a Fiemg, comprometeria a competitividade e estimularia o aumento da informalidade, com possibilidade de fechamento de 18 milhões de postos de trabalho e impacto de até R$ 480 milhões na massa salarial. Para as empresas, a perda seria de até R$ 2,9 trilhões em faturamento, de acordo ao estudo. Sob um cenário em que houvesse ganhos de produtividade do trabalho de 1% ao ano, a perda de PIB cairia para 14,2%, o corte de vagas, para 16 milhões, e a perda de faturamento das empresas, para R$ 2,6 trilhões. Um resultado ainda ruim, para uma expectativa de aumento de produtividade alta para os padrões brasileiros.
Outro estudo, divulgado na mesma semana pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli, também apresenta estimativas de impacto dessa mudança, tomando como base a PEC 8/2025, chegando a conclusões igualmente preocupantes. De acordo às simulações de Fernando de Holanda Barbosa Filho, autor do documento, uma redução da jornada para 36 horas semanais elevaria o salário real em 6%. Essa variação corresponde a empresas com jornada de 38,4 horas semanais, que é a média observada na economia brasileira. Já empresas que adotam a jornada máxima, de 44 horas semanais, essa elevação seria de 18%.
Impactos com redução de jornada para 36 horas semanais
Nos cálculos de Barbosa Filho, a perda de valor adicionado por mudança na jornada de trabalho pode variar de 6,2% a 11,3%, “caso seja levada em consideração uma redução da demanda por trabalho em virtude da elevação do salário real”, diz no texto. “A análise com base na função de produção, que considera capital utilizado, e trabalho mostra que as perdas oscilariam entre 3,8% e 6,9%”, complementa. O estudo também traça cenários considerando uma elevação da produtividade do trabalho, para identificar em que medida poderia compensar as perdas com mudança na jornada. Foram cinco alternativas de ganho de produtividade, variando entre 0,5% e 2,5%. Na mesma direção do trabalho da Fiemg, o resultado apontou que as perdas de valor adicionado ainda seriam significativas, variando de 5,7%, no caso de ganho de 0,5%, até 3,9% em um cenário em que a produtividade aumentasse 2,5%.
Além de a compensação não ser a ideal para mitigar o impacto da redução da jornada na proporção defendida na PEC, o pesquisador lembra que a evolução da produtividade tem sido pequena no Brasil. “Entre 1981 e 2024, a produtividade do trabalho cresceu de 0,2% ao ano, enquanto a produtividade por hora trabalhada avançou 0,5% ao ano. No período recente, entre 2018 e 2024, a produtividade por pessoal ocupado aumentou 0,2% ao ano e a produtividade por hora trabalhada ficou estagnada”, descreve. Com esse quadro, "dificilmente ocorrerá um ganho de produtividade suficiente para compensar as perdas ocasionadas pela redução da jornada", afirmou.
Perda de valor adicionado por redução na jornada de trabalho com a utilização de capital (em %)
Ao Valor Econômico, Daniel Duque, pesquisador do FGV IBRE, destacou que países desenvolvidos que registram uma jornada média menor que a brasileira apresentam uma produtividade do trabalho mais alta, dando margem a esse corte. Em novembro de 2024, Duque publicou uma estimativa de impacto da redução da jornada, identificando uma perda econômica próximo de 7,6% com a redução para 36 horas semanais, considerando “um ligeiro aumento da produtividade devido a melhores condições de trabalho, e efeitos negativos com a redução no número de empregos em decorrência dos maiores custos para os empregadores”.
Em entrevista para a Conjuntura Econômica de janeiro, José Pastore, professor da FEA-USP especialista em mercado de trabalho, também destacou que países que reduziram jornada de trabalho o fizeram junto com ganhos de produtividade. Ele citou o caso da Alemanha.
“Lá, a jornada legal ainda é de 48 horas por semana, mas a jornada efetivamente praticada está em torno de 34 horas. Essa redução é feita de forma negociada, pari passu com ganhos de produtividade, mantendo o mesmo custo unitário.” Em contrapartida, na França pratica-se uma jornada maior que a legal – de 35 horas semanais, fixada em 1998 – “por exigências das condições de trabalho das empresas e dos trabalhadores”, contou, apontando que “as partes negociam aumentos de jornada, mediante o pagamento de hora extra”.
Além disso, Pastore destacou condições específicas do Brasil que já colaboram para o bem-estar do trabalhador. “No Brasil, se você liberar três dias por semana durante 48 semanas, somar a isso mais 30 dias de férias, 14 feriados nacionais, entre outros municipais e estaduais, chegaremos a quase 200 dias não trabalhados e remunerados. Se colocar as despesas referentes ao abono salarial, equivalentes a dez dias, o total ultrapassa os 200 dias. É o sonho de todo político populista, mas me parece demasiado. Em nenhum país as pessoas recebem mais para descansar do que para trabalhar”, afirmou.