Cientistas revelam mecanismo cerebral relacionado à resiliência emocional

Camundongos que presenciam outros em adversidades lidam melhor com emoções negativas; relação entre habênula e menor vulnerabilidade ao trauma já tinha sido estudada por pesquisadores da USP.

side-view-woman-stretching-with-copy-space-clear-skyCientistas decifraram os mecanismos cerebrais envolvidos na construção da resiliência. (Foto: Freepik)

Um estudo da Universidade de Lausanne (UNIL), na Suíça, conseguiu decifrar os mecanismos cerebrais envolvidos na construção da resiliência em camundongos que testemunharam companheiros de gaiola em perigo. Publicado na revista científica Science, o artigo demonstrou que o simples ato de observar um outro camundongo passando por adversidades pode aumentar a capacidade própria de lidar com eventos traumáticos, além de prevenir o surgimento de doenças neuropsiquiátricas, como a depressão.

De acordo com a pesquisa, os camundongos que se demonstraram mais resilientes após o contágio emocional negativo tiveram uma maior liberação de serotonina na habênula lateral – uma estrutura no centro do cérebro, antiga e conservada em todos os animais vertebrados. Ela é conhecida por funcionar como um painel de controle comportamental para lidar com situações aversivas e por participar do processamento de emoções e de estímulos sensoriais.

“A habênula é uma estrutura minúscula, bilateral acima do tálamo que até 20 anos atrás a gente mal sabia o que fazia. Ela liga várias estruturas do telencéfalo [a porção maior do cérebro] com núcleos dopaminérgicos e serotoninérgicos”, afirma Martin Andreas Metzger, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Os núcleos dopaminérgicos e serotonérgicos são grupos de neurônios que sintetizam e liberam dopamina e serotonina como neurotransmissores. Dopamina e serotonina estão envolvidos na regulação de atividades importantes para o funcionamento adequado do sistema nervoso central, como o controle de movimentos, cognição e emoções.

“Os neurônios da habênula são ativados por estímulos aversivos e frustrações e, em condições adversas, eles agem como um freio”, afirma Metzger. Ele e o também professor e pesquisador do ICB, José Donato Júnior, publicaram um artigo acompanhante na mesma edição da revista Science, comentando o trabalho e apresentando algumas de suas perspectivas na área. A pesquisa de Metzger é uma das pioneiras ao descrever as conexões recíprocas da habênula.

“O Martin tem uma linha de pesquisa sobre esses sistemas serotoninérgicos, dopamina e a habênula, mais recentemente, que é um centro de aversão que temos no cérebro. Quando você se frustra, essa é uma das áreas envolvidas na mediação de consequências cognitivas e comportamentais”, explica Donato, que coordena com Metzger o Laboratório de Neuroendocrinologia e Metabolismo (LaNeM) da USP.

Os pesquisadores contam que a via dopaminérgica, que é nosso centro de recompensas, já era bastante estudada na literatura científica. Já o papel da habênula como peça central de um circuito de punição e até mesmo no Transtorno Depressivo Maior é um achado relativamente novo.

“Atualmente, é bastante claro que os neurônios da habênula lateral ficam hiperativos nesse transtorno. É interessante que a modulação serotoninérgica em camundongos que se tornaram resilientes diminui a atividade neuronal na habênula lateral”, aponta Metzger.

Contágio emocional negativo

Para explorar os mecanismos cerebrais envolvidos com a aquisição da resiliência, os pesquisadores de Lausanne colocaram um camundongo “observador” próximo de outro submetido a pequenos choques elétricos nas patas. A exposição à experiência negativa do colega de gaiola protegeu os observadores de desenvolverem estados patológicos de depressão quando eles próprios foram expostos à mesma experiência desagradável.

O contrário, porém, não aconteceu: camundongos que não testemunharam experiências traumáticas de seus companheiros tiveram uma diminuição na liberação de serotonina para a habênula, o que os tornou incapazes de demonstrar resiliência.

Todos os procedimentos foram conduzidos em conformidade com as Diretrizes Institucionais Nacionais Suíças sobre experimentação animal e foram aprovados pelo Comitê do Escritório Veterinário para Experimentação Animal de Canton de Vaud.

De acordo com Sarah Mondoloni, primeira autora da pesquisa, o contágio emocional negativo coincidiu com uma mudança duradoura na atividade dos neurônios na habênula. “É a dinâmica da serotonina que muda durante essa tarefa, e essa é a principal descoberta do nosso estudo”, informou a pesquisadora em um comunicado à imprensa.

“Praticamente todos os fármacos no tratamento da depressão, ou mesmo em outras doenças como transtorno de ansiedade, envolvem a modulação de neurotransmissores como a serotonina, noradrenalina e dopamina. Eles têm uma ligação intrínseca com a habênula”, diz Donato. Para o pesquisador da USP, essa descoberta ajuda a explicar por que alguns indivíduos são mais vulneráveis a eventos traumáticos. “É uma antecipação do cérebro que te protege, porque se aquilo te afeta demais, provavelmente você desenvolverá um transtorno de ansiedade”, diz.

“Um dos grandes méritos desse trabalho é que ele apontou uma via neuronal concreta”, diz Metzger. Ele cita uma teoria difundida, mas já bastante contestada hoje, de que a depressão é consequência de níveis reduzidos de serotonina no cérebro. “Talvez encontrem medicamentos ou tratamentos que possam agir seletivamente na habênula.”