"Pandemia incrementou significativamente a cultura solidária entre as organizações", diz Malu Nunes

Presidente da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes celebra os 30 anos de pioneirismo da organização.

maluMalu Nunes celebra os 30 anos de pioneirismo da organização. (Foto: Divulgação)

Reconhecida como uma das principais organizações empresariais do Brasil, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza completou três décadas de história em 2020, trajetória marcada por sua conexão com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e trabalho para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas.

Criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial, a Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário.

Para falar sobre as iniciativas da organização que visam aproximar diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos da atualidade, convidamos Malu Nunes, atual diretora-executiva na Fundação.

Também com uma história de mais de 30 anos na área, Malu lidera inúmeros projetos ligados à preservação de reservas e empreendedorismo verde, entre eles o Araucária+, uma iniciativa de valorização econômica da floresta com araucárias, ecossistema que tem hoje menos de 1% de sua área original.

Revista FÓRUM: O que define esses 30 anos de atuação da Fundação Grupo Boticário?

MALU NUNES: Um dos nossos pilares é o pioneirismo. A Fundação foi criada em 1990, dois anos antes da Eco-92, quando pouco se falava de conservação do meio ambiente e sustentabilidade. Ao longo de 30 anos, nos tornamos uma das principais instituições ambientais do Brasil, promovendo a proteção da natureza em todos os biomas a partir do apoio a projetos científicos, de ações próprias e influência em políticas públicas. São três décadas de muito trabalho em rede com diversos setores da sociedade, promovendo inovação e buscando soluções para problemas contemporâneos a partir da natureza. A defesa do meio ambiente é um esforço conjunto que, invariavelmente, exige a participação coletiva. Assim como uma espécie depende da outra para sobreviver, e todas dependem de um ecossistema equilibrado, a causa ambiental depende do trabalho empenhado pelo poder público, por organizações da sociedade civil organizada, por empresas e por cidadãos de forma geral, que juntos conseguem construir soluções mais completas. Afinal de contas, o todo é sempre mais forte do que as partes. Muito me orgulha ver que temas como sustentabilidade, biodiversidade e responsabilidade socioambiental tornaram-se comuns no vocabulário da sociedade e vêm, cada vez mais, ganhando força.

De forma prática, quais os negócios de impacto gerados, desenvolvidos e mantidos por vocês?

A Fundação Grupo Boticário acredita que o melhor caminho para o desenvolvimento sustentável é aliar a conservação da natureza com o desenvolvimento socioeconômico, em especial a geração de emprego e renda. Por isso, temos dedicado esforço para fortalecer o ecossistema de negócios de impacto positivos ao meio ambiente. Uma das nossas iniciativas é a Rede de Investimentos de Impacto em Conservação da Natureza, lançada no final do ano passado, com o objetivo de estimular e aumentar o investimento em negócios que geram receita e dividendos associados à conservação da biodiversidade. Cada vez mais está ficando no passado a mentalidade de que uma empresa tem que buscar apenas o lucro. Sem pensar no entorno e nas consequências de suas ações, de nada adianta ter bons resultados financeiros.

Mesmo em meio à pandemia, lançamos neste ano uma série de processos de cocriação e mentoria que buscam acelerar e apoiar projetos que integram a conservação do meio ambiente com a geração de riquezas. São iniciativas como a teia de soluções, que teve uma chamada em busca de soluções para fortalecer o turismo em áreas naturais – setor fortemente impactado pelo isolamento social imposto pela Covid-19 – e o Conservathon – uma maratona de ideação para desenvolver projetos voltados à mobilidade, gestão de Unidades de Conservação (UCs) e cadeias produtivas sustentáveis na Grande Reserva Mata Atlântica, o maior remanescente contínuo do bioma no Brasil. Os melhores projetos desenvolvidos, com maior viabilidade de execução e com impacto para a conservação, terão apoio financeiro da Fundação.

Outra frente importantíssima é o Programa Natureza Empreendedora, também voltado para a Grande Reserva. A iniciativa está em sua segunda fase, oferecendo mentorias e oficinas para acelerar pequenos negócios de impacto existentes na região.

Qual a importância do reconhecimento do Boticário como uma das empresas mais sustentáveis do país?

Esse reconhecimento é muito importante, claro. Mostra que a causa ambiental não se restringe à Fundação Grupo Boticário; o foco na sustentabilidade está em todas as unidades e em diversas ações praticadas diariamente. O Grupo não realiza testes em animais há mais de 20 anos e investe na melhoria contínua de produtos e processos para torná-los cada vez mais sustentáveis. O programa de logística reversa Boti Recicla é um dos maiores do país em pontos de coleta. A sustentabilidade é a maneira como o Grupo Boticário faz negócio e está associada diretamente com o nosso propósito de transformar a vida e o mundo ao nosso redor por meio da beleza.

Quais os próximos passos para que cada vez mais empresas se alinhem com as atuais demandas ambientais?

Tem havido um movimento muito forte, no Brasil e no mundo, de empresas que têm defendido a conservação ambiental como um elemento importante para a prosperidade de seus negócios. Para que esse movimento se expanda com mais velocidade, é preciso dar condições para que as empresas invistam em tecnologias verdes e fortaleçam suas ações de responsabilidade socioambiental. Um grande estímulo tem vindo do mercado financeiro. Bancos e fundos de investimentos, cada vez mais pautados pelas práticas ESG, têm ajudado nesse sentido, exigindo contrapartidas ambientais dos negócios ao conceder empréstimos, por exemplo. Em relação à responsabilidade socioambiental, a pandemia incrementou significativamente a cultura solidária entre as organizações. É preciso que isso permaneça no pós-Covid. Sem dúvida alguma, a sociedade civil também tem seu papel, por meio da pressão vinda de consumidores e entidades, por meio de selos e certificações e, dentro da academia, por meio da produção e disseminação de conhecimentos ligados ao meio ambiente. Mas o mais importante é haver uma infraestrutura legal e de políticas públicas que coloque de vez o Brasil no rumo de uma economia verde. É importante cobrarmos isso dos candidatos nestas eleições.

O público consumidor já está plenamente informado sobre a importância da consciência ambiental? Qual o papel da comunicação neste processo?

A conservação do meio ambiente exige a participação de diversos atores da sociedade. Portanto, engajamento é palavra-chave. É preciso despertar nesses atores o senso de urgência que a causa ambiental pede e estimulá-los a trabalharem em conjunto por um bem comum. Nesse sentido, obviamente, a comunicação é importantíssima. Na academia, é preciso divulgar e dar visibilidade às descobertas da ciência, de maneira a fomentar políticas públicas e instâncias decisórias. Nas empresas, a comunicação é essencial para que elas divulguem suas ações de sustentabilidade e responsabilidade social e sirvam de exemplo para que outras sigam o mesmo caminho. A comunicação é o fio que une toda essa teia colaborativa de proteção do meio ambiente.

Sua trajetória profissional lhe ajudou a compreender as diversas questões presentes no tema sustentabilidade? De que maneira?

Certamente. Sou engenheira florestal e acredito que abracei a causa da conservação da natureza ainda na minha infância, quando passei a perceber a importância do meio ambiente. Ainda na universidade, enquanto o curso era muito mais voltado à produção florestal, voltei a minha formação para a área da conservação. Cursei mestrado em Conservação da Natureza e logo depois tive a oportunidade de ingressar como estagiária na recém-criada Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Consolidei minha carreira aqui, chegando à direção executiva da instituição. Por dez anos também fui gerente de Sustentabilidade do Grupo Boticário, período em que contribuí para estabelecer práticas sustentáveis em vários processos.

Como a Fundação atua no campo da valorização e manejo correto de recursos naturais e florestas?

Esse é um assunto importantíssimo. Ainda existe uma mentalidade, em certos setores, de que proteger o meio ambiente é um empecilho para a economia. De acordo com a ONU, a população mundial vai chegar a 10,9 bilhões de pessoas em 2100, um cenário que causará grande pressão sobre os ecossistemas e em segmentos como a produção de alimento. Por um lado, é preciso agir no campo cultural, com foco no consumo consciente, como forma de reduzir essa pressão da demanda. Por outro, é necessário dar condições a esses setores, seja por meio de capacitação ou de alternativas sustentáveis, por exemplo, para que eles possam continuar existindo respeitando os limites da natureza. Um programa muito interessante que temos nesse sentido, junto com a Fundação Certi, é o Araucária+. Por meio dele, proprietários de terras com Florestas com Araucárias são estimulados a adotar práticas sustentáveis de manejo do solo e da vegetação, especialmente em relação à colheita do pinhão e da erva-mate. Entre as práticas ensinadas aos proprietários estão a não retirada da totalidade do pinhão (garantindo uma parte para a alimentação da fauna nativa) e a retirada gradual do gado de áreas sensíveis, já que pisoteia e compacta o solo, dificultando a germinação de sementes das espécies. Paralelamente, os produtos colhidos de forma sustentável são vendidos em uma rede que agrega valor a essa prática. Programas como este podem e devem ser replicados mundo afora.

Quais são as metas da Fundação Grupo Boticário para os próximos anos?

Seguiremos atuando a favor da conservação da natureza, estimulando negócios de impacto socioambiental positivo, incentivando a criação e disseminação de conhecimentos e buscando soluções criativas e inovadoras a partir do nosso patrimônio natural para problemas atuais. Nos próximos três anos, buscamos estimular políticas públicas e o envolvimento de diferentes atores a favor da biodiversidade brasileira em três agendas: oceano, turismo em áreas naturais e Cidades baseadas na Natureza.