Armadilhas de luxo: Quando a exclusividade se transforma em tentação, é preciso de cautela

Ainda que o segmento seja marcado por práticas comerciais específicas, faz-se necessário pontuar que elas não podem violar direitos conferidos aos consumidores.

Stéfano Ribeiro Ferri - Sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia
Stéfano Ribeiro Ferri, sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia. (Foto: Divulgação)

Atualmente, é cada vez mais comum que o consumidor, ao tentar adquirir um produto no mercado de luxo, tenha sua solicitação negada, sob o argumento de que este seria exclusivo para determinada categoria de clientes – comumente, àqueles que já possuem um histórico de compras que lhes confira o “privilégio”. Trata-se de tema que ganhou repercussão internacional, especialmente após a publicidade conferida por diversos periódicos ao processo ajuizado contra a grife francesa Hermès, na Califórnia (EUA), por clientes insatisfeitos que a acusam de forçar a compra de produtos secundários como condição para adquirir a cobiçada bolsa Birkin.

Na obra “The specificity of luxury management: turning marketing upside down”, elaborada por Jean-Noel e Vincent Bastien, os autores apresentam uma curiosa regra do mercado de luxo: resistir à demanda. Como as marcas são símbolo de recompensa e elevação, devem sempre dominar o cliente, visando a preservação do seu status.

Ainda que o segmento seja marcado por práticas comerciais específicas, faz-se necessário pontuar que elas não podem violar direitos conferidos aos consumidores. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) dispõe ser prática abusiva - e proíbe expressamente - a conduta do fornecedor que recusa a venda de bens ao consumidor que se disponha a adquiri-los, mediante pronto pagamento.

Além disso, exigir a compra de produtos secundários para que o consumidor tenha acesso ao artigo desejado pode configurar venda casada - proibida pelo CDC. É comum encontrar lojas de grandes grifes com poucos produtos à disposição, fato que, em primeira análise, poderia até significar eventual escassez de oferta; contudo, basta solicitar os itens “premium” para constatar que, mesmo não estando fisicamente disponíveis, podem ser adquiridos por clientes “fiéis”.

O que existe, na verdade, é uma ausência do dever de transparência, previsto na legislação consumerista, especificamente em relação aos critérios de venda, fazendo com que o consumidor se sinta enganado. Na sociedade moderna, em que as pessoas estão progressivamente suscetíveis ao consumismo – que, infelizmente, por vezes aparece como resposta às frustrações e ansiedades - impulsionado pela utilização desenfreada das redes sociais, não se olvida que as grandes grifes possuem um poder de persuasão significativo.

Quando a exclusividade se transforma em tentação, é preciso de cautela para que o consumidor não seja vítima de práticas comerciais manifestamente abusivas, sendo necessária uma postura ativa do Poder Público – pois, se não for assim, somente restaria a afirmação contida na obra “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde: “a única maneira de se livrar de uma tentação é ceder a ela”.