Beto Abreu: 'Setor de infraestrutura, em particular as ferrovias, precisa de segurança jurídica para sustentar pesadas aplicações'
Um dos expressivos executivos do setor de infraestrutura e transporte traça um cenário positivo para a consolidação dos investimentos em ferrovias.
João Alberto Abreu, Beto Abreu, presidente da Rumo. (Foto: Reprodução)
As novas rotas de crescimento no segmento de infraestrutura, desenvolvimento pró-sustentável e o posicionamento sobre a retomada plena da economia a ser colocada nos trilhos, alguns dos desafios que permeiam o radar de João Alberto Abreu, presidente da Rumo, reconhecida como maior operadora ferroviária do Brasil. Beto Abreu, como é mais conhecido no mercado, está à frente da companhia desde abril de 2019, além de integrar o Conselho da Brado, Fundação Raízen e ser membro do Comitê de Governança do Programa Juntos, da ComunitasBR, nos Estados do Goiás e Rio Grande do Sul. Abreu está no grupo Cosan há mais de uma década, posição onde ocupou na Raízen os cargos de diretor executivo comercial e vice-presidente executivo do negócio de Etanol, Açúcar e Bioenergia. O currículo ainda inclui a experiência de 18 anos na Shell, em diversas posições no varejo no Brasil, na Inglaterra e Argentina.
Formado em Engenharia Mecânica e de Produção pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e MBA em Administração de Empresas pela Fundação Dom Cabral (São Paulo-SP). Concluiu ainda os programas de Executivo Sênior no IMD Business School e Wharton School da Universidade da Pensilvânia. Diante de uma longa jornada profissional, Beto Abreu conta nesta entrevista exclusiva, os detalhes sobre os investimentos trilhados pelo Grupo, incluindo o foco em tecnologia, pesquisa e expansão de suas operações, em um país continental como o o Brasil.
A Rumo está presente na 17ª carteira do ISE B3, o Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 que reconhece as empresas que são referências em práticas ESG.
Revista LIDE: Quais os principais objetivos e destaques do atual plano de investimentos para as ferrovias (malhas e estados) em que a empresa atua?
João Alberto Abreu: Nosso planejamento é focado na geração de valor a longo prazo e na transformação operacional. As operações da Rumo estão presentes em nove estados - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Tocantins -, que representam 88% dos grãos exportados no Brasil. Movimentamos em 2021 o maior volume da nossa história e ultrapassamos a barreira das 60 milhões de toneladas, somando os fluxos de exportação, importação e mercado interno. Issp mostra que estamos colhendo os frutos dos investimentos recorrentes em aumento de capacidade, tecnologia, inovação e segurança.
Temos um portfólio consolidado de projetos em execução. Podemos destacar as obras de aumento de capacidade da Malha Paulista, a conclusão da Ferrovia Norte-Sul, que batizamos de Malha Central, e a construção da primeira ferrovia estadual de Mato Grosso. A nova ferrovia formará um dos corredores logísticos mais versáteis do País no atendimento ao Porto de Santos, além de abastecer o mercado interno e estimular a instalação de novas indústrias na região.
Quais as perspectivas para o setor no que diz respeito à ampliação das exportações, parceiras e valorização do modal ferroviário?
Nossa perspectiva é de um cenário positivo, considerando a crescente demanda global por alimentos. No último ano, o Brasil consolidou-se como o maior fornecedor de grãos do mundo, respondendo por 36% do trading global. Enquanto nos Estados Unidos, segundo no ranking, cerca de 70% da área de plantio já está ocupada, no Brasil apenas um quarto do território agricultável está ocupado. Em síntese, há margem para um crescimento exponencial. Hoje, a Rumo opera em Rondonópolis o maior terminal de grãos da América Latina. No auge da safra, mais de 80 mil toneladas são embarcadas por dia em trens com 120 vagões e capacidade de 11,5 mil toneladas úteis. No ano passado, somente nas operações da Rumo, o volume de commodities agrícolas escoado na Operação Norte (que conecta os estados do Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Tocantins e São Paulo até o Porto de Santos) foi de 29,4 milhões de toneladas.
De que maneira o Marco Legal das Ferrovias tem influenciado nas decisões e planejamento da empresa para os próximos anos?
A Rumo entende que o setor de infraestrutura, em particular no que diz respeito a ferrovias, precisa de segurança jurídica para sustentar pesadas aplicações de longo prazo. Ao seguirem os devidos preceitos legais, a nova legislação poderá garantir os investimentos privados que são essenciais para movimentar os produtos agrícolas (e até mesmos os industriais) pelos trilhos com uma eficiência cada vez maior. O marco legal das ferrovias representa avanço na retomada do protagonismo das ferrovias no país nos últimos anos. No entanto, ainda há muitos desafios no setor público e na iniciativa privada, para garantir o desenvolvimento sustentável ideal e ampliar a participação do modal.
O que pode ser feito para o setor avançar mais e tornar-se o principal modal de transporte e logística do país?
A ferrovia é atualmente um indutor de desenvolvimento por onde seus trilhos passam. E a Rumo tem isso entre suas premissas e executa constantes investimentos para a expansão das operações, levando o modal para mais regiões e levando impacto positivo, gerado pela economia das cidades em que está presente. Nosso foco sempre será levar a ferrovia em direção à carga. Quanto mais próxima dos principais polos de produção, menor será o custo logístico para quem opta pelo modal ferroviário. Nosso país tem enorme potencial para se consolidar como uma referência mundial. São inúmeras oportunidades que o agronegócio e a indústria brasileira nos proporcionam. Avalio que fomentar novas parcerias entre a iniciativa pública e privada é essencial para seguirmos avançando na integração entre os modais e no equilíbrio da matriz de transporte brasileira.
Como a Rumo tem avançado também na agenda ESG com ações para a comunidade, nova operação e ingresso no ISE B3? E qual o potencial e importância desse processo?
É sinônimo de orgulho ser a primeira empresa do setor ferroviário brasileiro a figurar no índice que é referência em práticas empresariais de sustentabilidade. Sem dúvidas, o ingresso no ISE é um reconhecimento dos avanços na nossa agenda ESG e dos nossos compromissos relativos à eficiência energética e redução de emissões em nossas operações ferroviárias. Em 2021, nos tornamos a primeira empresa brasileira a fazer uma Sustainability-Linked Debenture ( da sigla em inglês SLD), modalidade que condiciona fatores do empréstimo, atrelados a prazo e custo ao atingimento de metas de sustentabilidade. Realizamos captação de R$ 1,5 bilhão, coordenada pelo Itaú BBA, e a meta é reduzir em 15% as emissões de gases de efeito estufa por tonelada de quilometro útil (TKU) em nossas operações até 2023. Nossa atuação é 100% pautada em ações que sejam indutoras de desenvolvimento, sempre concentrando esforços em iniciativas que contribuam para a sociedade.
Mas como as lideranças podem implementar uma gestão focada na inovação e pautada pela sustentabilidade, pela diversidade e inclusão?
O grande desafio das lideranças é integrar temas tão relevantes no cotidiano da Companhia. Estrategicamente, nós trabalhamos diversas frentes com a proposta de discutir, aperfeiçoar e conduzir iniciativas que contribuam para o desenvolvimento econômico e a melhoria da infraestrutura das localidades onde estamos presentes. No contexto social, estamos progredindo e lançamos recentemente o Instituto Rumo com o intuito de devolver à sociedade parte do valor que a Companhia recebe. A iniciativa concentra projetos de incentivo aos estudos que ampliem a inclusão socioprodutiva dos jovens na sociedade. Outra frente importante é a nossa área de Diversidade & Inclusão, estruturada com o propósito de ser um agente de transformação não somente nas nossas relações com a sociedade, mas também internamente entre a nossa alta liderança e os colaboradores. Já em relação aos projetos de inovação atrelados aos resultados ambientais, estamos sempre investindo em tecnologias para reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) e contribuir para uma economia de baixo carbono.
No quesito tecnologia, em que frentes a empresa tem investido para melhorar sua produtividade e entrega aos clientes?
As ferrovias brasileiras já contam com tecnologias de ponta focadas na segurança e eficiência das operações. Hoje, a Rumo é a maior operadora de trens semiautônomos da América Latina, todas as nossas locomotivas que circulam entre Rondonópolis (MT) e o Porto de Santos (SP) são equipadas com o Trip Optmizer. O Trip é um sistema inteligente de processamento de dados da operação ferroviária, que é acionado pelo maquinista na tela de operação da locomotiva. O equipamento assume a condução do trem, a partir de 19km/h, e controla aceleração de todas as locomotivas da composição. Lembrando que esse recurso leva em consideração o comprimento do veículo, o peso dos vagões, qualidade e condições da via. É uma tecnologia que calcula a viagem ideal e aumenta a eficiência e segurança da operação. Temos também outras iniciativas em desenvolvimento, recentemente fechamos uma parceria com a Surf Tech, empresa que ficará responsável pela implantação de uma rede de fibra óptica em ferrovia com foco em 5G. O projeto tem potencial para chegar a cobrir os 14 mil quilômetros de trilhos administrados pela concessionária.
Cada vez mais, trilhamos um caminho de protagonismo nas transformações tecnológicas, desde programas internos de capacitação, investimento em projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), melhoria em tecnologias inovadoras e parcerias com startups e outros players do ecossistema de inovação.