'Nos preocupa qualquer medida que dificulte o acesso dos nossos produtos a um mercado como o americano', afirma Ricardo Alban

Imposição de tarifas generalizadas — 10% para países da América Latina, 20% para a Europa e 30% para a Ásia — elevou a imprevisibilidade nas relações comerciais globais, afetando o Brasil.

Ricardo Alban"Ricardo Alban, presidente da CNI, alerta para os riscos das tensões no comércio internacional e defende a preservação do acesso ao mercado americano. (Foto: Divulgação)

Com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o Brasil enfrenta o desafio de reposicionar sua diplomacia diante de um cenário de incertezas geopolíticas e tensões no comércio internacional. A retomada da agenda nacionalista do governo americano, marcada por medidas protecionistas e ceticismo em relação a acordos multilaterais, exige do governo brasileiro e do setor produtivo um esforço de equilíbrio: defender interesses nacionais sem comprometer os canais de interlocução com Washington.

A imposição de tarifas generalizadas — 10% para países da América Latina, 20% para a Europa e 30% para a Ásia — elevou a imprevisibilidade nas relações comerciais globais, afetando o Brasil. Em resposta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfatizou a importância de uma abordagem diplomática.

“O governo brasileiro está adotando uma postura de diálogo. Enxerga os Estados Unidos como parceiro histórico e entende que este é um momento delicado da política americana. Precisamos lidar com serenidade, apresentando nossos pontos de vista, que são legítimos e defensáveis”, afirmou.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, também ressaltou que o Brasil mantém uma relação equilibrada com os Estados Unidos.

“É natural que o novo governo americano reavalie sua política de comércio exterior. Exportamos cerca de US$ 40 bilhões em bens e importamos valor semelhante. Quando incluímos os serviços, os EUA apresentam um superávit de US$ 7,4 bilhões — o sétimo maior em sua balança comercial. Portanto, não somos ameaça econômica, mas um parceiro relevante”, declarou.

Perspectivas para os Negócios

O presidente da ApexBrasil, Jorge Viana, avaliou que a nova postura tarifária dos EUA pode acelerar acordos pendentes. “Caso as tarifas se confirmem, líderes europeus podem antecipar a ratificação do Acordo Mercosul-União Europeia. O impacto global poderá reconfigurar alianças e prioridades comerciais”, analisou. Viana reconheceu riscos no cenário, mas também apontou possibilidades. “Antes das oportunidades, virão os desafios. O ambiente poderá favorecer o Brasil como destino de investimentos, mas decorre de um contexto adverso”, afirmou.

A estratégia do governo brasileiro é preservar a relação bilateral com os EUA, independentemente das mudanças políticas internas. Para isso, aposta na continuidade de fóruns estratégicos como o ATEC (Acordo de Comércio e Cooperação Econômica), o Diálogo Comercial Brasil-EUA, o Fórum de Energia (USBEF) e o CEO Forum — mecanismos que sustentam a interlocução técnica e diplomática. Paralelamente, o Brasil reafirma seu compromisso com o multilateralismo e amplia sua rede de acordos comerciais.

Reações no Setor Produtivo

A adoção das novas tarifas provocou reações no setor produtivo dos dois países, que buscam formas de mitigar os impactos. Na cadeia do agronegócio, a National Coffee Association (NCA), que representa o setor cafeeiro nos EUA, solicitou ao governo americano a exclusão do café brasileiro da lista tarifária. Segundo o CEO da NCA, William “Bill” Murray, o pedido foi bem recebido pelas autoridades em Washington, embora ainda sem prazo para decisão. “O pedido está em análise, mas é difícil prever os próximos passos”, declarou durante evento promovido pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), em Campinas.

No Brasil, o setor empresarial adota postura semelhante, priorizando o diálogo institucional. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) acompanha os impactos sobre a indústria siderúrgica, especialmente nas exportações de aço, que podem ser beneficiadas ou prejudicadas conforme o desfecho das negociações. “Se houver acordo, o cenário poderá ser favorável. Caso contrário, enfrentaremos prejuízos relevantes”, alertou o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe.

A Amcham Brasil também reforçou a necessidade de manter os canais diplomáticos ativos. “É fundamental intensificar os esforços por uma solução negociada. A preservação do comércio bilateral é essencial para o crescimento econômico de ambos os países”, declarou a entidade.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou a importância de fortalecer o diálogo bilateral. “Nos preocupa qualquer medida que dificulte o acesso dos nossos produtos a um mercado como o americano — principal destino das exportações da indústria brasileira”, disse o presidente da CNI, Ricardo Alban. A entidade organiza uma missão empresarial aos Estados Unidos para debater a facilitação do comércio e a abertura de novos mercados. “É necessário insistir no diálogo para mitigar os efeitos das novas diretrizes de Washington”, acrescentou.

O setor privado norte-americano também busca preservar e expandir as relações econômicas com o Brasil. O Brazil-U.S. Business Council, vinculado à U.S. Chamber of Commerce, apresentou uma agenda voltada a áreas estratégicas como comércio, inovação, energia e transformação digital. Os temas prioritários incluem minerais críticos, cadeias de suprimentos, propriedade intelectual e economia digital — abrangendo inteligência artificial, cibersegurança e saúde conectada.