Jorge Arbache: 'Para investir mais, Brasil tem que ser mais atrativo ao capital estrangeiro'
Em entrevista, Jorge Arbache, ex vice-presidente do CAF, fala sobre o cenário nacional para investimentos.
Como vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), cargo que ocupou até dois meses atrás, você foi grande disseminador do powershoring – conceito relacionado à atração de investimento direto estrangeiro motivada pela disponibilidade de energia limpa, segura, barata e abundante, que beneficia alguns países emergentes como o Brasil. Como avalia a evolução do powershoring no último ano?
Vale lembrar que vivemos um mundo com incertezas crescentes, seja do ponto de vista micro, macro e político. Isso tudo cria um ambiente tal nos mercados internacionais que prejudica países que são mais dependentes da economia global. Dito isso, conforme conversamos no ano passado (confira aqui), a agenda relacionada à sustentabilidade e ao meio ambiente continua sendo a maior das oportunidades que o país tem para dar conta dos seus grandes desafios econômicos e sociais. Nossa disponibilidade de uma matriz elétrica limpa, de minerais críticos para a transição energética, de um mercado de carbono com grande potencial, florestas, muita reserva de água, colocam o país numa posição muito especial para liderar a descarbonização, alimentar o mundo e difundir a biodiversidade.
Realizar esse potencial, entretanto, requer que algumas condições sejam atendidas, e uma delas é que os mercados internacionais funcionem, no sentido de favorecer o comércio e o investimento onde ambos fossem mais eficientes, onde você pudesse fazer mais com menor pegada de carbono, ou onde a eficiência fosse maior. Só que essa agenda está evoluindo menos do que poderia em termos de escala e velocidade, por conta desses brutais programas de intervenção de mercados. Especialmente o IRA (Lei de Redução da Inflação, na sigla em inglês) e as normativas europeias que trazem obstáculos para os investimentos estrangeiros e o comércio de bens com menor pegada de carbono. Isso inviabiliza negócios e torna o ritmo desse processo mais lento do que deveria para os mercados funcionarem.
A despeito disso tudo, como eu já previa, essa agenda tem limites. Um deles é que, do ponto de vista estrutural esses negócios não são mais eficientes, e em algum momento essa conta chega. A outra coisa é a exposição política. De uns meses para cá, já comecei a ver no Financial Times matérias sobre empresas que tinham feito consultas para ter acesso a benefícios do IRA que estão desistindo por causa das incertezas políticas. Donald Trump já deu sinais de que, se ganhar, irá revisitar o programa. A pesar do apoio recebido – que não é equity, é um “presente” mesmo – o pessoal que já embarcou no IRA também desembolsou capital próprio ou está fazendo dívida, e essa conta pode chegar de forma diferente de que tinha previso.
Então, ainda assim, empresas que têm uma visão mais estratégica, mais a médio e longo prazos, identificam benefícios no Brasil e em outros países da região. Outro fator importante a favor disso também é o aumento da busca por não se colocar todos os ovos na mesma cesta, levando em conta questões associadas a fenômenos climáticos extremos que estão levando estrategistas de grandes multinacionais a considerarem a diversificação geográfica como parte do processo de resiliência.
Do ponto de vista doméstico, como avalia o preparo do Brasil neste último ano para atrair esses investimentos?
Quando se olha em perspectiva, vemos dois grandes guarda-chuvas. Um deles é o da neoindustrialização, coordenado pelo MDIC; o outro é o da transição ecológica, do Ministério da Fazenda. Ambos contêm coisas muito legais, boas ideias e boas iniciativas. Mas considero que o maior problema é a falta de coordenação dentro da Esplanada, às vezes até dentro dos próprios Ministérios, porque se em teoria os dois programas se combinam, na prática não é bem assim. Muitas das políticas contempladas envolvem o Ministério da Energia e o Ministério de Meio Ambiente, mas não estão se beneficiando de sinergia e complementariedade, tampouco estão se beneficiando de uma visão de sequência. Ou seja, de que uma política condiciona a outra. Sem esse sequenciamento, o Congresso tem sua própria preferência. Essa falta de coordenação é talvez o maior problema de todos, porque ela não dá uma visão de conjunto, e isso muitas vezes não é bom para quem está tomando uma decisão de investimento.
Recentemente, o FMI divulgou uma projeção que sinaliza um panorama desanimador para o investimento no Brasil, que nos próximos anos continuaria sendo um dos 20 piores, como proporção do PIB, entre 170 países analisados. Qual sua avaliação?
Em geral, quando se avalia o baixo investimento no Brasil, identifica-se duas questões. Uma delas é a baixa poupança, que nos limita a ter uma taxa de investimento maior. A segunda é capacidade de investimento do setor público, reduzida pelos limites fiscais que temos, e a impossibilidade de aumentar ainda mais a carga tributária para investir. Tudo isso mostra a importância que é o investimento estrangeiro para o país – não só para trazer impulsos financeiros, mas tecnologia, conhecimento. Para isso, precisamos de uma agenda regulatória adequada, transparência, governança, estabilidade política. Não tem jeito. Com baixo investimento, cresceremos pouco, não ter muito para onde correr. E, para investir mais, tem que ser mais atrativo para o capital estrangeiro.
Os debates em torno do powershoring aconteceram paralelos ao das potencialidades do Brasil relacionadas à produção de hidrogênio de baixo carbono. Como avalia a evolução desse setor?
Em um país onde a produção de energia renovável é grande e superavitária, o hidrogênio verde é algo em princípio é atrativo. Mas ele será tão mais atrativo quanto mais ele for utilizado como instrumento de equação de investimentos diretos que precisam dessa fonte de energia. O problema é que, na minha opinião, estamos caindo numa cilada de prioridades. Estamos colocando muita ênfase para produzir o hidrogênio verde para exportação e não como instrumento de atração desse investimento, que é o que de fato tem implicações sociais e econômicas. Uma típica planta de hidrogênio tem uma cadeia de valor extremamente curta, não emprega, e se esse hidrogênio é para exportação, praticamente não vai pagar imposto.
Então, os impactos econômicos e sociais em um território serão literalmente nulos. Onde o hidrogênio vai ser um aliado do país? Onde ele for utilizado para atrair plantas que precisam dele. Acho que no Brasil há quem está caindo nessa cilada, colocando a ênfase no lugar errado. Precisamos sempre aprovar regras e normas para o hidrogênio verde como parte de algo mais amplo. Preocupa-me o pragmatismo, a pressa, que em parte tem a ver com toda a narrativa que os europeus criaram com promessas de subsídio, financiamentos, para se embarcar na agenda de hidrogênio verde para exportação sem ter essa visão estratégica. É um erro.
Deixei há CAF há cerca de dois meses, e lá fizemos várias avaliações de plantas de hidrogênio verde. As voltadas exclusivamente para exportação não paravam em pé, nem hoje, nem nos próximos anos, sob nenhum ângulo: seja do ponto de vista financeiro, seja de segurança no transporte. O razoável é pensar em uma planta ligada ao abastecimento de uma cadeia de valor, que possa exportar excedentes.