Ben Oliver: é o fim dos motores?
Com novas promessas totalmente elétricas surgindo ao redor do globo, o motor movido a combustível parece estar prestes a entrar em combustão.
Ben Oliver é um premiado jornalista automotivo, que vive e escreve no Reino Unido.
O Reino Unido já começou a martelar os últimos pregos do caixão do motor movido a combustível. No final do ano passado, o primeiro-ministro Boris Johnson fez um anúncio dramático sobre as vendas de carros com motores convencionais de combustão interna: seriam proibidas a partir de 2030 - 10 anos antes do inicialmente proposto - e as vendas de híbridos, banidas em 2035. O objetivo é zerar as emissões de carbono até 2050, mesma meta com a qual o presidente norte-americano Joe Biden se comprometeu. O Reino Unido, porém, não é o primeiro governo a definir esse prazo. Nos Estados Unidos, o estado da Califórnia pretende acabar com as vendas de carros com motor convencional em 2035, já que a única grandemontadora de automóveis por lá é a Tesla.
A Noruega também o fará daqui a quatro anos, tanto que a maioria das vendas de carros novos do país é de elétricos, e não há indústria automobilística nativa que arrisque o contrário. No Reino Unido, o decreto do governo britânico é bastante significativo porque seus fabricantes de automóveis - especialmente marcas de luxo como Bentley, McLaren, Aston Martin e Rolls-Royce - são grandes empregadores e exportadores, ainda extremamente dependentes do combustível. Seria loucura? Acredito que não, e nem essas marcas históricas enxergam assim. Mesmo antes da proibição ser anunciada, a McLaren disse que lançará apenas híbridos para seus principais modelos a partir de 2021 e cessará o desenvolvimento de motores convencionais em 2030, esperando encerrar essas vendas em 2035.
Após essa posição da McLaren, o CEO da Bentley, Adrian Hallmark, também se pronunciou, falando que todos os seus carros serão totalmente elétricos em 2030. A mudança também se adequará muito bem a alguns fabricantes britânicos de sangue azul, especialmente à RollsRoyce, sempre atenta a questões de refinamento, e à Bentley, para a qual o torque potente e de baixo custo faz parte de seu DNA.
Dada a prontidão dessas montadoras de luxo para esses impedimentos, me pergunto se o que parece ser a beira de um penhasco, pode ser apenas uma lombada para, finalmente, chegarmos lá? Os governos podem simplesmente colocar datas de término definidas no declínio pré-existente e gradual, mas terminal, do motor a combustão em alguns mercados desenvolvidos?
Os sinais estão aí: a taxa de vendas de EV só aumenta, a frequência de lançamentos de novos modelos cresce, os aumentos na densidade de energia da bateria e os tempos de carga decrescem e, assim, apontam para uma direção clara que os políticos já reconheceram e talvez queiram se posicionar à frente. O crescimento explosivo nos preços das ações da Tesla e da Nio - e o valor implícito de fabricantes de EV ainda não listados, como a Rivian, dos Estados Unidos - podem confundir e enfurecer as montadoras estabelecidas, mas suas avaliações permitem que essas empresas acessem de forma mais barata os undos, que precisam para realmente fazer esse futuro elétrico acontecer - uma indicação clara de como o mundo pensa sobre como tudo isso vai ocorrer.
Desses “jogadores” globais, a General Motors, por exemplo, se tornou a primeira a se comprometer, em janeiro, a substituir os motores de combustão - incluindo híbridos - em seus carros de passageiros até 2035. Algo não relacionado à proibição britânica, já que a GM não vende mais carros na Europa. E assim outros virão. Então, será que a proibição do Reino Unido em 2030, da Noruega e da Califórnia em 2035, ou da França em 2040, realmente importa? “Acho que sim, já que simplesmente não há mais como evitar”, disse Arndt Ellinghorsto, analistaautomotivo alemão da Bernstein, instituto de pesquisa e investimento dos EUA, que fala diretamente com os CEOs dessa indústria.
“No passado, quando havia apenas metas de emissão, havia maneiras de contorná-las. Mas, se você simplesmente não pode mais vender essas coisas, então é isso. A indústria precisa de clareza, de certeza. Acho que é quase uma vitória para eles, uma sensação de alívio. Mais empresas agora me dizem que não estão gastando dinheiro com motores porque as melhorias incrementais não valem a pena. Há muito pouco que podemos fazer com os motores para torná-los significativamente mais potentes ou eficientes. O motor foi projetado até o fim”, completa.
Mas, obviamente, as atitudes em relação aos motores são muito diferentes fora da Europa eda Califórnia. Como meio de impulsionar um carro, o motor de combustão interna está longe de estar morto. Em partes do mundo, um motor a combustível é visto não só como um crime ambiental, mas também como um meio de autopromoção. A proibição do Reino Unido se aplica apenas às vendas domésticas, o que significa que ainda podem fabricar motores para mercados que não as proíbam. Só não seria uma boa publicidade. Pode haver um curto período em que os fabricantes de carros de luxo construam motores que não podemos comprar, mas também não vai durar muito. E, francamente, mal posso esperar. Fiz carreira dirigindo e escrevendo sobre motores de combustão interna por mais de 20 anos.
A primeira letra que meu filho aprendeu foi o “M” na tampa do motor de uma BMW Motorsport de seis cilindros. Agora, faço metade da minha condução diária em veículos elétricos e, sempre que dirijo um carro convencional, sinto que voltei ao século 20. Os primeiros veículos elétricos que dirigi eram como projetos de feiras de ciências; agora são frequentes em estradas. Ainda há problemas a serem resolvidos, mas não posso acreditar que não serão corrigidos em outra década de transformação, a mais rápida de todos os tempos. Então, se você permanecer uma pessoa que acompanha motores que respiram e queimam coisas, em transmissões que você mesmo opera, sua correção não lhe será negada.
Das outras montadoras de carros de luxo da Europa, o acionamento elétrico pode ser bom o suficiente para a Pininfarina, mas a Ferrari, por exemplo, diz que não será suficiente para a maior marca da Itália até, no mínimo, 2025, o que implicaria que seus motores a combustível operem ao lado de EVs por algum tempo, até o amargo fim. Já a Porsche tratou de lançar o sensacional Taycan EV, trabalhando duro com combustíveis sintéticos neutros em carbono, que, se puderem vencer seus consideráveis desafios, podem estender avida útil dos motores e forçar os legisladores a repensar essas proibições. Todas elas, aliás, referem-se exclusivamente à venda de carros novos: nenhuma administração está propondo tirar nossas rodas “vintage” do fim de semana.
Eu esperava que os valores dos "clássicos modernos" rápidos e utilizáveis aumentassem conforme os colecionadores procurassem garantir os melhores exemplos para dirigir regularmente ao lado de seus EVs diários. Mas, se quiser ficar à frente dessacurva, é melhor comprar um carro com um motor naturalmente aspirado, caixa de câmbio manual e tração traseira, já que é quase certo
que, em breve, não estaremos mais fazendo isso.