Sílvio Porto: 'Ainda não sabemos quão estrutural são os impactos do clima na produção agrícola'
Em entrevista, Silvio Porto, diretor-executivo de Política Agrícola e Informações da Conab analisa os impactos das mudanças climáticas no agronegócio.
Silvio Porto, diretor-executivo de Política Agrícola e Informações da Conab. (Foto: Marcelo Casall Jr. /Agência Brasil)
Em entrevista, Silvio Porto, diretor-executivo de Política Agrícola e Informações da Conab analisa os impactos das mudanças climáticas no agronegócio.
Como as altas temperaturas observadas recentemente devem afetar a próxima safra de grãos brasileira, especialmente das commodities exportadas pelo Brasil?
Ainda mantemos cautela quanto às projeções, mas neste momento de fato acendeu um sinal amarelo em relação ao que poderá ocorrer em função dos acontecimentos climáticos. Tenho sempre dito o seguinte: minha preocupação em relação à soja é muitíssimo inferior comparada à que tenho em relação ao milho. No caso da soja, parte dela já foi plantada. Houve perdas, está ocorrendo replantios. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta a uma expectativa de maior regularidade das chuvas a partir da segunda semana de dezembro, e isso deve permitir o desenvolvimento da cultura de forma bastante significativa.
O maior problema em relação à soja está no Matopiba (áreas de cultura no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Lá o cenário é bastante negativo, pois há grande incerteza em relação às chuvas, com estiagem bastante intensiva. Nessa região as perdas foram bem mais expressivas, e o replantio que não ocorreu. Houve áreas que nem foram plantadas, pela ausência de chuva de perspectiva de início das chuvas que desse segurança aos produtores para colocar semente no solo.
Em relação ao milho, o atraso no plantio da soja começa a comprometer a janela de plantio da segunda safra. Sempre fui muito crítico a essa opção que o Brasil fez, do encurtamento do ciclo produtivo. Claro que é muito atrativo fazer duas safras no mesmo ciclo produtivo de verão, com soja e milho. Isso, de fato, é um grande diferencial que o Brasil vem apresentando frente a seus concorrentes. Mas essa dinâmica também aumenta a suscetibilidade para o milho. Por exemplo, se planto milho depois da soja no Paraná, fico exposto ao risco de baixas temperaturas antes do inverno, ou de falta de chuva no Centro-Oeste, o que pode comprometer o desenvolvimento da cultura. Assim, o que parece uma solução duradoura acaba se apresentando de maior risco, a depender de como o clima vai se comportar nos próximos anos. Acho que seria positivo avaliar um reequilíbrio de área da primeira safra de milho, ao menos em alguma região do Brasil, para não ficarmos tão dependentes da segunda safra – que também é conhecida de safrinha, mas hoje representa em torno de 75% a 80% da produção de milho.
Qual impacto preveem para o milho de segunda safra?
Pra garantir uma janela favorável para o plantio do milho, o ideal é que a colheita da soja aconteça no máximo até meados de fevereiro, porque se assim se garantem chuvas regulares que permitem que o ciclo do milho, principalmente na floração e enchimento de grãos, tenha bom desenvolvimento, com colheita e produtividade dentro do esperado. O fato é que, quando estamos em um ano normal, plantar soja e milho na mesma safra de verão é tranquilo. Mas com esta irregularidade de chuvas e altas temperaturas que vimos de forma tão expressiva, isso acaba rebatendo no calendário. Esse comportamento tem relação com o El Niño, por isso não se pode toma-lo como regra. Mas, acho que as altas temperaturas que observamos recentemente pode ser uma sinalização significativa de mudança; resta saber se é estrutural ou conjuntural.
Em que medida os impactos climáticos podem comprometer nossa capacidade de ampliar a produtividade agrícola?
Como mencionei, ainda é preciso saber quão estrutural é essa mudança no clima. De qualquer forma, já avançamos muito. Na soja, se conseguirmos ampliar o nível de produtividade em 20%, já será algo muito exuberante. Se acompanharmos dos anos 1970 para cá, a produtividade da soja dobrou, estamos falando de 40 anos. Precisamos considerar que a própria fisiologia da planta tem limites. Seja nos EUA ou Brasil, a capacidade de resposta da planta diante de um maior uso de insumos chegará em um ponto em que não se paga. Nem é uma questão de mudanças climáticas. Em relação ao milho, ainda há espaço. Mas vale considerar que, nesse caso, a grande mudança que houve não se deu pela capacidade individual da planta de produzir mais, e sim uma mudança de arquitetura da planta, que permitiu um maior adensamento por área. Até os anos 1980/90, se produzia em torno de 20 mil a 30 mil plantas por hectare; hoje chega-se a entre 60 mil e 80 mil plantas.
O arroz praticamente bateu no teto. Em Santa Catarina, por exemplo, há produtividades muito associadas ao sistema de produção da agricultura familiar, de mais de 10 mil quilos por hectare; no Rio Grande do Sul, chegamos a 8,5 kg/ha na produção de gotejo de larga escala, onde se houve capacidade de ampliação, é pouco. Onde podemos crescer em termos de produtividade é na agricultura familiar, com o fortalecimento da agroecologia, que dialoga com as demandas de mitigação das mudanças climáticas, tornando os sistemas mais resilientes.
Em sua opinião, quais políticas relacionadas ao agro ajudariam a mitigar novos desmatamentos?
O governo acabou de lançar um decreto sobre a reconversão de áreas degradadas para a produção de grãos. O desafio, nesse caso, é a questão do custo para essa conversão. Isso possivelmente será viável se tiver subsídios significativos, porque também não é fácil fazer esse investimento. A outra questão é até que ponto a conversão dessas áreas em grãos efetivamente garantirá estancar o desmatamento. Particularmente, não acredito nessa tese. Quando olhamos onde houve crescimento, abertura de novas áreas, foi na região amazônica. Acho que a dinâmica do Brasil no contexto internacional é que vai para ditar até que ponto conseguiremos mitigar o desmatamento. E, claro, a institucionalidade, com melhora da fiscalização e controle forte.