Luiz Schymura, FGV IBRE: Diferencial salarial do ensino superior cai no Brasil, mas ainda é elevado e recompensador

Recuo do diferencial de salário do ensino superior está ligado à alta de trabalhadores com terceiro grau e à informalidade, entre outros fatores. Inteligência artificial pode beneficiar brasileiros com ensino superior completo.

Luiz Guilherme SchymuraLuiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV). (Foto: Divulgação)

 

Entre 2012 e 2024, o número de trabalhadores com 16 anos ou mais de estudo (ensino superior completo) quase dobrou, de 12 milhões para 22,4 milhões. Em termos de proporção da população ocupada (PO), esse grupo saiu de 13,1% para 22%. Na verdade, tomando-se o número de matrículas anuais em um período mais longo, nota-se o crescimento explosivo do ensino superior no Brasil a partir do final dos anos 90. Em 1980, eram 1,4 milhão de matrículas e, em 1998, 2,1 milhões. A partir daí, o crescimento se acelera, chegando-se a 9,4 milhões em 2022.

O forte aumento do ensino superior no Brasil, entretanto, veio acompanhado de uma queda generalizada do diferencial de salário entre os que têm ensino superior completo e todos os outros demais níveis de escolaridade, entre o segundo trimestre de 2012 e o mesmo trimestre de 2024.

Em 2012, trabalhadores com ensino superior completo ganhavam 152% a mais em média do que aqueles com 12 a 15 anos de escolaridade. Em 2024, esse porcentual se reduziu para 126%, numa queda de 25,91 pontos percentuais (pp). Já no caso dos trabalhadores com menos de um ano de escolaridade, aqueles com ensino superior completo ganhavam 664% a mais em 2012, e 386% a mais em 2024, num recuo de 278,32pp. O mesmo recuo, no caso dos trabalhadores com 1 a 4 anos de estudo, 5 a 7 e 8 a 11, foi de, respectivamente, 123,99pp, 72,65pp e 61,21pp. Fica claro que, quanto maior o diferencial em 2012, maior a queda em pontos percentuais até 2024.

Esses números foram calculados com modelos de regressão, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), por economistas do FGV IBRE: Janaína Feijó, Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti.

Segundo Feijó, a queda generalizada do diferencial de salário entre aqueles que têm superior completo e todas as demais faixas de escolaridade se deve, entre outros fatores, a fenômenos que impactam diretamente a população com ensino superior completo.

Assim, hoje a mão de obra é mais escolarizada, o que tende a afetar o prêmio salarial do ensino superior. “Esse fator de produção já não é tão escasso quanto era antes”, ela explica.

Outro fator que chama a atenção, e pode ajudar a entender a redução do diferencial, é a expansão da taxa de informalidade. No período analisado, houve um aumento da informalidade entre os mais escolarizados. No caso dos trabalhadores com ensino superior completo, a taxa de informalidade se elevou de 14% para 19,3% entre 2015 e 2024, o que a pesquisadora nota que é uma mudança até certo ponto surpreendente. A informalidade tende a ter remunerações mais baixas, o que pode explicar parcialmente a redução do prêmio salarial do ensino superior completo.

O rendimento real habitual do trabalho daqueles com ensino superior caiu de R$ 7.495 em 2012 para R$ 6.619 em 2024. Ainda assim, o diferencial permanece bastante grande. Em 2024, o rendimento real habitual médio daqueles com 12 a 15 anos de escolaridade, a segunda faixa mais escolarizada, era de R$ 2.548. A diferença, portanto, é de mais de R$ 4.000.

Os pesquisadores do FGV IBRE, para investigar mais a fundo a questão do diploma universitário e o mercado de trabalho, desagregaram a PNADC em dez grandes grupos ocupacionais. Em 2024, considerando o rendimento médio habitual, as ocupações que concentravam os maiores níveis de renda média eram “diretores e gerentes” e, “profissionais das ciências e intelectuais”. Essa segunda categoria abrange todos os profissionais que têm ensino superior, de pedagogos a matemáticos e engenheiros. Ter ensino superior, naturalmente, faz com que a pessoa esteja nesse grupo de maior rendimento. Entre 2012 e 2024, na verdade, houve aumento do rendimento médio real habitual tanto de diretores e gerentes (de R$ 7.171 para R$ 8.966, com alta de 25%) quanto de profissionais das ciências e intelectuais (de R$ 6.598 para R$ 6.799, alta de 3%).

Os pesquisadores também desagregaram os trabalhadores de três diferentes níveis de instrução pelas dez categorias ocupacionais. No grupo com menos de médio completo, a maior parte trabalha em “ocupações elementares” (rendimento médio real habitual de R$ 1.322 em 2024), “operários e artesãos” (R$ 2.060) e “trabalhadores dos serviços e vendedores” (R$ 1.753). Já no grupo com médio completo e superior incompleto, as ocupações elementares se estreitam e cresce o grupo ocupacional de trabalhadores de serviços e vendedores. Finalmente, no grupo com superior completo, a maioria trabalha na categoria “profissionais das ciências e intelectuais”, e uma parte significativa como “diretores e gerentes”. Fica claro que aqueles que possuem ensino superior têm maior capacidade de acessar as ocupações que remuneram mais.

Inteligência artificial - Uma questão da maior importância quando se pensa em escolaridade e mercado de trabalho é o advento da inteligência artificial (IA), que deve transformar profundamente a economia global e, especialmente, os empregos. Vários estudos sobre o tema têm sido divulgados, e Veloso tratou de alguns deles nas suas colunas quinzenais para o Broadcast, da Agência Estado. Um estudo do FMI de 2023 analisa a exposição do mercado de trabalho à IA. Os autores (Pizzinelli et al) constroem uma medida de exposição dos postos de trabalho à inteligência artificial, levando em consideração o potencial da IA como complementar ou substituta do posto de trabalho. Quando há complementaridade, o risco de deslocamento dos empregos é menor.

Os autores analisam um grupo de países (Brasil, Colômbia, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos). Eles encontram que, no caso de Brasil, Colômbia e África do Sul, quase 40% dos trabalhadores estão em ocupações de alta exposição à IA. Já nos Estados Unidos e Reino Unido, esse porcentual sobe para 60% da população ocupada.

Os pesquisadores do FMI também conseguem dividir os empregos com alta exposição à inteligência artificial entre aqueles em que a IA tem alta complementaridade e aqueles em que isto não ocorre. No Brasil, dos 40% de trabalhadores com alta exposição à IA, metade tem alta complementaridade e metade, não.

Os economistas também encontram que trabalhadores com ensino superior completo tendem a estar mais expostos à IA do que aqueles com menor nível educacional. No caso do Brasil, 80% dos trabalhadores com nível superior completo estão em ocupações com alta exposição à IA. Por outro lado, 50% dos trabalhadores com superior completo estão em postos em que a IA tem alta complementaridade. Já para aqueles que só têm o ensino médio completo, a exposição à IA é menor, um pouco acima de 60%, mas apenas 20% (da categoria educacional) devem se beneficiar da complementaridade.

Assim, Feijó nota que a IA pode ser benéfica na maioria dos casos para aqueles trabalhadores brasileiros que têm ensino superior completo, pois eles tendem a estar em ocupações nas quais a inteligência artificial tem complementaridade e pode inclusive trazer ganhos de produtividade.

Veloso observa que o surgimento recente da IA generativa (como o ChatGPT) difundiu a ideia de que quase todos os postos de trabalho estavam em risco. Nessa narrativa, anteriormente a essa nova tecnologia, a IA atingia mais os trabalhadores da indústria, mas agora ela ameaça também os profissionais liberais e as ocupações de colarinho branco em geral. Mas o trabalho do FMI resumido acima, assinala o pesquisador, mostra que, apesar de os trabalhos típicos de pessoas com ensino superior de fato estarem muito expostos à IA, isso não é sinônimo de risco de substituição pela máquina. Na verdade, no caso do grupo com superior completo, a complementaridade benéfica da IA torna-se uma probabilidade relativamente alta.

Em conclusão, os economistas do FGV IBRE notam que a forte queda do prêmio salarial do ensino superior ante todos os outros níveis de escolaridade é um fenômeno intrigante e que deve ser mais bem compreendido, até para efeito de elaboração e execução de políticas pública na área de educação. Esta Carta fornece algumas hipóteses iniciais de causas do fenômeno.

Por outro lado, o diferencial do ensino superior permanece muito elevado no Brasil, com potencial de jogar muito para cima a renda do recém-formado. Assim, a ênfase na expansão do ensino superior, que já vem ocorrendo desde o final dos anos 90, deve ser mantida e quiçá reforçada. Uma questão importante, porém, é a qualidade desse aumento de oferta, já que a queda do diferencial também indica que o casamento entre as melhores ocupações profissionais e a oferta de vagas no ensino superior tem potencial de ser mais bem trabalhado.

Finalmente, uma vantagem adicional do ensino superior é o advento da inteligência artificial (IA). Embora os postos de trabalho desse grupo estejam mais expostos a essas novas tecnologias, esta exposição tende, na maior parte dos casos, a ser complementar – o posto de trabalho é mantido com potencial de se tornar mais produtivo.